sexta-feira, março 11, 2011

A pequena Viviane


Ela tinha vinte e dois anos, muitos sonhos e uma gana enorme de realiza-los.
Sonhos que lhe pareciam impossíveis naqueles tempos. O início da vida adulta não era tão colorido como imaginara em sua adolescência. Sua família não estava bem. Há um tempo seus pais desentendiam-se com frequência. Até então, nunca os tinha visto brigar, nem discutir na frente dos filhos ou de qualquer outra pessoa. Tinha um irmão mais novo, estudioso e trabalhador. Pensava e temia o que podia acontecer-lhes caso a crise no casamento de seus pais não fosse superada, uma vez que jamais foram preparados para enfrentar uma separação. 

Outra coisa a entristecia. Terminara o ensino médico há quatro anos e, embora sonhasse, não tinha como cursar uma faculdade. O tempo parecia lhe consumir o sonho semestre após semestre, ano após ano. A vida ia se equilibrando entre a família, cursos, amizades e a fé que desenvolvia junto com a comunidade cristã que frequentava. Mas naquela semana tudo parecia nebuloso. O clima no trabalho estava péssimo e ela estava sobrecarregada, exercendo várias funções. Pensamentos desconexos afligiam-lhe ainda mais. Deus parecia-lhe tão distante, tão insensível a essa desordem e caos. Será mesmo que ele se importava ou estava ocupado demais para prestar atenção em como ela estava se sentindo? A volta para casa não foi fácil, desejava qualquer outro compromisso que não fosse ir para casa. Angustiada, pensou se não seria melhor sumir. Por alguns instantes pensou que seria melhor não mais existir e logo depois, censurando a si própria, ponderou que há tragédias muito maiores por aí. Sim, Deus parecia muito ocupado para se importar.

Já no ônibus, sentou-se no último assento do último banco. Ônibus lotado, pessoas com expressões cansadas depois da jornada diária de trabalho e o calor insuportável. Sentiu um nó apertar-lhe a garganta enquanto segurava as lágrimas, até que uma mão pequenina tocou na sua, estendida sobre o assento da frente. Ela olhou rapidamente e viu uma menininha sorrindo-lhe, ajoelhada no banco da frente e virada para ela. Devia ter uns cinco ou seis anos, pensou. Pele clara, cabelos bem escuros, quase negros, bochechas rosadas, rosto bem redondo e, quando sorria, revelava uma covinha lateral. E aqueles olhos de tom escuro em linhas que permitiram que a jovem soubesse que aquela criança era especial. Pensou nunca ter estudado o suficiente sobre a Síndrome de Dawn, não tinha muitas informações a respeito da doença. A menina balançou uma pequena boneca de pano, esticando o braço, mexeu novamente com a jovem e sorriu um sorriso que mais lhe parecia mágica. Finalmente ela cedeu. Como poderia resistir-lhe? Como poderia negar-lhe um carinho de volta? Como poderia ignorar aqueles olhos miúdos que lhe sorriam e ingenuamente lhe desafiavam a encontrar alguma beleza na vida? Ao sorrir-lhe de volta e lhe dizer “olá”, viu a mãe daquela menina a segurar pelo braço e dar-lhe um puxão, sentando-a de volta no banco bruscamente e escutou: Viviane, já falei pra você sentar direito no banco e não incomode a moça! A pequena Viviane choramingou e aquele som partiu-lhe o coração. De súbito, respondeu para aquela senhora que de maneira alguma a menina a incomodava, pelo que aquela senhora virou-se para ela e disse: Você deve estar cansada moça e ela não para. A jovem sorriu, perguntou-lhe se era a mãe da menina e quantos anos a pequena Viviane tinha. Pôde notar aquela mulher, era uma mulher em idade avançada ou então, os desafios da vida lhe tinham roubado a juventude. Traços marcados pela dureza da vida. Pela impaciência que demonstrava no tratamento com a menina durante o percurso da viagem, pensou que sua rotina certamente não era fácil. 

Rhaissa - que lembra a pequena Viviane

 
Durante os minutos seguintes do trajeto, a jovem brincou com a boneca de pano da pequena Viviane, que lhe sorria e contava pequenas histórias em meio a palavras pronunciadas com certa dificuldade e gargalhadas. Como ela parecia feliz! Quando a viagem chegou ao fim, a jovem desceu do ônibus e olhou para aquela menininha, que se despedindo, acenava com uma mão e a boneca na outra. Aqueles olhinhos acompanhavam seu largo e puro sorriso, iluminando-a. Ao chegar em casa, ela respirou fundo, sentindo-se leve, adentrou e cumprimentando cada um de sua casa, beijou-lhes a face e sorriu. Depois foi para seu quarto como se o peso de suas aflições já não estivesse mais sobre seus ombros, pois acabara de ouvir Deus lhe dizer através daqueles olhos puxados e sorriso singelo: Viu só? Tudo ficará bem, apenas confie.


Que seu dia seja inspirado pelo Autor da Vida,
Andréa Cerqueira

2 comentários:

  1. Andréa amor, que delícia de texto.
    Fui transportada às minhas lembranças, mas entrelaçadas com a história.
    Não tive o meu dia agitado, mas por dentro estava meio inquieta. Vim aqui dar uma olhadinha e desligar o PC, e fui abençoada com esse texto e sentir um alívio, por mais que a gente saiba que podemos confiar em Deus, “ouvir” outra pessoa nos falando, reaviva em nós essa certeza.
    Bjoo

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  2. Déia minha "manamiga", post impecável!
    Muito bom de ler, escrito com perfeição mesmo!
    Bjo! Parabéns!

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