segunda-feira, junho 11, 2012

Reflexões sobre Regras, o Amor e a Liberdade


PARTE 1 - REGRAS

Eu sei que falar sobre regras, mais especificamente, o que chamamos no meio evangélico brasileiro de “lista do pode e não pode” é sempre um assunto delicado e, muitas vezes, mal compreendido.  Como cristã, não abro mão dos princípios que expressam a vontade de Deus para a minha espiritualidade, mas vejo um absurdo exercido por muitos líderes religiosos na nossa nação, que se utilizam da religião para exercer poder e controle sobre o povo. Tendo em vista a história da humanidade, sei bem que esse é o caminho utilizado por muitos ao longo das eras, dentro ou fora do contexto religioso.

Há sim muitas regras as quais cristãos de todos os lugares devem observar e praticar. Eu tive consciência há alguns anos de que é preciso uma coragem demasiada para ser cristão. E isso não tem nenhuma relação com essa propaganda mentirosa que muitos espalham por aí: “Jesus te ama, então venha para ele e todos os seus problemas serão resolvidos!”. É verdade que Jesus nos ama, mas é mentira que o Evangelho facilita as coisas para nós, vou usar dois exemplos para explicar isso:

- No Antigo Testamento, tempo da Lei, adulterar era pecado passível de pena de morte, o que implicava em que sendo expostos os amantes, eles seriam apedrejados. No Novo Testamento, tempo da Graça, olhar com desejo sexual para outra pessoa já é considerado adultério.

- No tempo da Lei, era claro o mandamento “Não matarás”, o que implicava em tirar, literalmente, a vida de outro ser humano. No tempo da graça, irar-se contra o outro já é considerado assassinato.

Estudei há pouco tempo sobre o que ocorreu com os cristãos da província romana da Galácia. Uma vez eles receberam a visita de Paulo e receberam as boas novas do Evangelho de Jesus Cristo, uma vida de liberdade em Deus. Eu me esforcei por imaginar o que aquele povo, antes pagão e acostumado com uma série de regras e sacrifícios para obterem o favor de seus respectivos deuses, deve ter pensado sobre a liberdade da qual passaram a ouvir, e que surpreendente impacto deve ter sido para eles compreenderem que não precisavam mais sacrificar aos deuses, visto que o único Deus Criador de todo o Universo é quem tinha oferecido de uma vez por todas, o sacrifício perfeito. Uma vez aplacada a ira de Deus contra o pecado, agora era possível receber o amor de Deus de forma ilimitada através de Cristo. Depois de algum tempo Paulo não estava mais presente e, passado alguns anos, chegaram àquela região algumas pessoas da religião judaica e esses, imediatamente, passaram a persuadir os gálatas a adotarem algumas regras da religião, afinal de contas, o Evangelho de Jesus Cristo não poderia ser assim tão livre, não podia ser tão simples, apesar de Cristo ter morrido numa cruz e ter se tornado maldição no lugar daqueles que seriam salvos, apesar dele ter vencido o Diabo e a morte, ao ponto de ter ressuscitado. E sua afirmação “está consumado”, passar a ser ignorada.

Liberdade é realmente algo difícil de lidar. Provavelmente nós nem saibamos como desfrutá-la em sua plenitude. E como bem observou Eugene Peterson, “quando alguém adere a alguma prática religiosa, uma das suas primeiras atitudes é transformar a religião num instrumento para controlar os outros, pondo ou mantendo cada um ‘no seu devido lugar’. A história da coerção e da manipulação religiosa é longa e entediante.”. 

Daí a carta de Paulo aos Gálatas: um puxão de orelhas convincente, uma bronca em forma escrita para que os cristãos daquela região voltassem a abrir seus olhos e retornassem para o Caminho, desfrutando novamente da libertadora graça de Cristo. A carta aos Gálatas é um ensino de Paulo na tentativa de resolver a confusão em que eles estavam acerca de sua fé e a observância das regras judaicas.

Nos nossos dias nós temos a “lista do pode e não pode” exercendo essa função de confusão. As perguntas se crentes podem “beber, fumar, ouvir músicas ‘seculares’, frequentar bares e baladas e praticar sexo fora do casamento” são as que comumente mais ouço ou leio. O ruim é que as respostas são as mais variadas possíveis. Sendo a resposta “sim” para estas perguntas, os cristãos que assim responderem serão classificados por outros cristãos como sendo liberais (ou libertinos, ou hereges), dos outros, os que dizem “não” como resposta, bem, esses são considerados crentes, ponto. Para a sociedade, isso é sempre uma forma de alienação, gente careta, bitolada e ultrapassada. 

Sinceramente, não haveria problemas com a lista do “pode e não pode”, não fosse dois pontos urgentíssimos, ignorados por muitos cristãos:

1. Que muitas dessas regras não são mandamentos bíblicos e sim fruto de uma subcultura religiosa que mais tem relação com a doutrina de determinada denominação ou pastor do que com a Bíblia. Cristãos têm se importado mais com essas regras do que em ler e compreender a própria Palavra de Deus. 

2. Que enquanto os cristãos perdem tempo discutindo se pode ou não tal coisa em cima da ponte, debaixo dela tem gente morrendo de fome. Cristãos têm se importado mais com o que os outros cristãos vão falar deles, quando deveriam ser, na prática, sal da terra e luz do mundo.

Há um outro aspecto importante que eu não deveria deixar de citar: a preocupação com escandalizar o irmão. Ora, os contextos citados na Bíblia referem-se aos fracos na fé, ou seja, aqueles que estão iniciando uma jornada de fé em Cristo devem ser tratados com amor (os demais também), mas para esses devemos ter um cuidado especial e não escandalizá-los, com o intuito de levá-los à maturidade em Cristo. Os demais, bem, os demais devem crescer e amadurecer e parar de “mi mi mi” com esse papo de escândalo.

Bate-bola sobre a tal lista:

Crente pode beber bebida alcoólica?

Sim. Na verdade deveria ser o único que poderia, já que é de quem se espera ter domínio próprio, o que implica que o crente não cederá à embriaguez. Se você sabe que vai se embriagar, não beba. E nunca beba se for dirigir, o policial não vai aceitar tua justificativa de que é crente e deixar barato.

Crente pode fumar?

Poder, pode. Mas não deveria. Aliás, nenhum ser humano deveria fumar de jeito nenhum. Não é questão do problema do vício apenas, é questão de saúde pública.

Crente pode ouvir música secular?

A Bíblia sequer faz distinção entre música para Deus e música do mundo, como cristãos têm feito. Mas o que vale é o quanto a música exerce influência sobre a pessoa. Conhecer o conteúdo da letra também é válido para aprovar ou não a música. Nem toda música que fala de Deus é fiel a princípios bíblicos, assim, não é o selo “gospel” que a legitima ou não.

Crente pode frequentar bares e baladas?

Todo cidadão é livre para ir e vir, certo? O nosso desafio é saber o quanto bares, baladas e outras festas influenciam-nos positiva ou negativamente. Ir na balada não é um problema se a pessoa já entende que essa alegria é passageira. Agora, conheci pessoas que iam para a balada e acabavam embriagando-se ou terminando a balada no motel. 

Crente pode praticar sexo antes do casamento?

O padrão bíblico para o sexo tem mais relação com maturidade, compromisso e proteção do que podemos imaginar. Não é questão de ser um princípio ultrapassado, mas algo que nos protege e nos satisfaz. Sexo é bom, muito bom, se praticado dentro desses princípios. Dessa forma, maturidade, compromisso e proteção estão ligados a casamento. Para a Bíblia, o próprio sexo é o casamento. O mundo inteiro pode gritar contra, mas o melhor conselho é ainda esperar.

#2 Andréa Cerqueira

3 comentários:

  1. Se tivesse que traduzir teu texto com uma única palavra, ela seria:BALSÂMICO. Se tivesse oportunidade de mais uma seria: ESCLARECEDOR!!!
    Mana tão bom ler algo de uma profundidade teológica e ao mesmo tempo tão acessível de entendimento para todos! Apologetas ou não, quem se deparar com teu texto pode "LER" graça DIVINA em cada palavra!
    Em bom Meninês: AMEIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII
    Beijos nessa alma linda!

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  2. Noh, em bom Meninês ( foi ótimoooooo) AMEIIIIIIIIIIIIIIIIIII também.

    Algumas vezes, ainda que superficialmente , comentei contigo Déia sobre minhas inquietações em relação à alguns pontos que você mencionou. Lembra da velhinha de bengala? hehehe ela está em tratamento e já consegue caminha um pouco melhor e não solta a bengala por nada. A ordem é PROTEJA-SE. E agradeço ao nosso PAIZÃO por incluir na lista das pessoas que me melhoram uma pessoa sensata, inteligente, gentil, amável e sábia. Excelente texto Déia

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