terça-feira, julho 30, 2013

Um lugar no mundo


 
-Maria, como tá o Zé?  
-Zé tá bem! E o fio, me conta! O menino já terminou a escola? 
-...

É assim que começam as conversas lá em Curva do Mundo, terra bonita, quase que sem muros; lugar onde ainda se constroem pontes por cima dos rios e usam varas para pescar.

João, nascido e criado na Curva do Mundo, sempre desdenhou a terra onde nasceu. Achava que a vida acontecia era do outro lado, em terras distâncias, em estradas de piche e linhas de ferro. 

O moço dizia que o importante era saber palavras difíceis, falar o ‘idioma dos doutores’. Começou a dizer isso quando leu um jornal velho, trazido da quitanda, que falava de política. Na data, João não entendera bulhufas, mas achou bonito aquele monte de palavras desconhecidas. 

-Interessante. Muito interessante... _disse o moço fingindo entender as notícias.

Como em Curva do Mundo não havia muitas distrações, namorar era das principais ocorrências do lugar. Todo mundo namorava e casava com uma facilidade que só! Para o namoro, João escolheu uma moça fina, daquelas que nem gostam de comida. Dizia não gostar muito da moça, mas que por ela ser bonita ele a queria. 

Suas querências ora eram grandes, ora pequenas. João desconhecia o meio termo e os agrados feitos para sua idade. Já tinha mais de trinta e só pensava em ser doutor e em assuntos do futebol. Tinha camisas e bolas riscadas pelas mãos de jogadores. Até cartela de figurinhas o moço tinha (fato muito invejado pelos meninos pequenos de Curva do Mundo!). João, por não aprender quem era e não aceitar sua terra tornou-se um homem que nunca cresceu.

'Valha me Deus, Dona Maria. Seu filho precisa se acertar na vida, aprender a amar onde nasceu e viver a idade que tem!' _dizia a cada três dias, Sincera, a vizinha.

Mas um dia a vida pediu provas do que realmente lhe valia. Sua mãe, farta de dias, estava a morrer. Morreu sem muitos alardes, como quem sonha profundo. 

Com o tempo e as ausências, na memória de João, apenas permaneceu a frase sempre usada pela mãe:

'Por favor, meu filho, aprenda a viver.'

Foi em frações de segundos, depois de ter mais de quarenta anos, que João percebeu: Na vida não teve amigos, palavras difíceis e, menos ainda, o amor. O homem nunca chegou a ser doutor e toda sua vida foi desdenhada pelos próprios olhos. 

‘A vida era pouca aqui, em Curva do Mundo, mas era bonita. E era minha...’

Percebeu que o mundo grande, que acontecia do outro lado, não era o dele. Também não foi dele o mundo pequeno, o qual rejeitara desde a infância. Não aproveitou os carros de luxo nem conversas na calçada, menos ainda as frutas frescas colhidas do pé.

Foi assim que João viveu o resto dos seus dias: como todos os outros, mas agora buscando formas de amar e honrar o lugar que agora chama de 'seu'.


....

Prece do dia: Que eu aprenda que o valor dos lugares não está na sofisticação, mas no deitar o coração sobre eles. Amém.


Bjs, Lu (a Poulain!)

6 comentários:

  1. Eu me identifico um pouco com esse João...muitas vezes não só negamos da onde viemos, mas negamos o que somos, só que os anos passam e todos os bens que nossos olhos cobiçam, acabam nos cegando e quando as perdemos, sentimos o duro vazio de encarar a si mesmo, fazemos, estudamos, trabalhamos tudo para alimentarmos nossa vaidade...pois tudo é pura vaidade, como disse Salomão em Eclesiastes.
    Que eu possa aprender a ser filho, tio, amigo e irmão melhor, para nunca me esquecer da onde vim e o que sou: Nascido pelo amor de Cristo, pois Ele simplesmente amou.
    Parabéns pelo texto, acho que você escreveu um texto sobre amor que achei lindo, mas não tenho certeza se foi você, emfim...parabéns e Deus o Abençoe, aliás, a todas.

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    1. Obrigada, Léo!

      Acho que todos nós temos esse vazio grande do lado de dentro, que grita por pertencer e que anela outras formas de vida.

      João é um pouco de todos nós.

      Que Deus nos ensine a sermos gratos pelo lugar que é 'nosso', e pela pessoa que 'somos'.

      Abraços!!! :)

      Lu

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  2. E esse é um daqueles contos em que facilmente nos identificamos com João, ainda que encontremos em nós "momentos de João"...

    E ficamos a pensar na vida e no valor que as coisas simples têm!!!

    =]

    Muito bom vizinha!
    Abraço de panda!

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    1. Obrigada, vizinha!!!

      Mil, dez mil, abraços de panda pra você!

      :) Smackies!

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