domingo, fevereiro 26, 2012

O poder da força x O poder do amor




A tentação no deserto revela uma profunda diferença entre o poder de Deus e o poder de Satanás. Satanás tem o poder de coagir, de estontear, de forçar a obediência, de destruir. Os seres humanos aprenderam muito desse poder, e os governos beberam fundo desse reservatório. Com um relho, ou um cassetete, ou um AK-47, os seres humanos podem forças outros seres humanos a fazer quase qualquer coisa que desejam. O poder de Satanás é externo e coercivo.


O poder de Deus, em contrapartida, é interno e não é coercivo. "Não se pode escravizar o homem por meio de um milagre, e a fé necessária é gratuita, não fundamentada em milagre", disse o Inquisidor a Jesus no romance de Dostoievski. Tal poder pode parecer às vezes fraqueza. Em seu compromisso de transformar gentilmente de dentro para fora e em sua inexorável dependência da escolha humana, o poder de Deus parece uma espécie de abdicação. Como todo pai e todo amante sabe, o amor pode tornar-se impotente se a pessoa amada prefere desprezá-lo.

"Deus não é nazista", disse Thomas Merton. De fato, Deus não é. O Mestre do universo se tornaria sua vítima, indefeso diante de um pelotão de soldados num jardim. Deus se fez fraco com um propósito: deixar que os seres humanos escolhessem por si sós o que fazer com ele.


Soren Kierkegaard escreveu sobre o leve toque de Deus: "A onipotência que pode colocar a sua mão fortemente sobre o mundo pode também tornar o seu toque tão leve que a criatura recebe independência". Às vezes, concordo, desejaria que Deus usasse um toque mais pesado. Minha fé sofre com liberdade em demasia, com demasiadas tentações para descrer. Às vezes desejo que Deus me esmague, para vencer minhas dúvidas com a certeza, para me dar provas finais de sua existência e de seu interesse.

(...)

Quando tenho esses pensamentos, reconheço em mim um eco tênue, abafado, do desafio que Satanás lançou a Jesus há dois mil anos. Deus resiste a essas tentações agora como Jesus resistiu àquelas na terra, estabelecendo um jeito mais lento, mais gentil.



(...)

Creio que Deus insiste em tal restrição porque nenhuma exibição pirotécnica de onipotência vai alcançar a reação que ele deseja. Embora o poder possa forçar a obediência, apenas o amor pode provocar a reação do amor, que é a única coisa que Deus deseja de nós, sendo a razão de nos ter criado.



Philip Yancey - em O Jesus que eu nunca conheci, ed. Vida, páginas 79, 80, 81.

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