quarta-feira, dezembro 29, 2010

Você sabe virar a página?


Ainda esses dias eu abri um livro que ganhei de presente de uma amiga que partiu, mas que foi muito importante na história da minha vida. Ela não morreu fisicamente, partiu por necessidades pessoais. Lendo a dedicatória senti uma saudade dolorida, sofrida, de uma pessoa muito querida e que faz muita falta. Recordei imediatamente do ano de 2009, um ano que foi extremamente conturbado para mim e que levou algumas pessoas para longe, outras para uma outra vida. Um ano marcante e que trouxe consigo uma gama enorme de mudanças em praticamente todos os aspectos e que exigiu de mim uma enorme força interior que, para ser sincera, nem eu mesma sabia que possuía.
Hoje olho para trás e sinto uma alegria enorme ao pensar quenão me perdi de mim mesma no meio de tantas tormentas. Acredito que o mais complexo do nosso sofrimento não seja a dor em si, mas o que deixamos de fazer quando a dor nos visita ou em quem nos tornamos se não soubermos lidar com ela.
O sofrimento faz parte da vida de todos nós, mas conseguir ser feliz apesar dele e além dele, nem sempre é fácil, mas é preciso! A tristeza ou a depressão, em momentos difíceis, serão visitas constantes por um período, porém não devem ganhar quartos e camas confortáveis nas nossas casas emocionais, devem apenas ser hóspedes temporárias que nos ensinam algumas coisas. Saber compreender que uma etapa chegou ao fim por mais feliz que ela tenha sido ou por mais danos que ela tenha nos causado, é sinal de que estamos adquirindo sabedoria. O que mais ouvi durante os anos que emprestei os meus ouvidos e o meu coração aos meus pacientes era: Por que? Por que isso aconteceu? Por que acabou? Por que partiu? Por que não me amou? Por que eu tenho que passar por isso? Por que a minha vida é diferente?
Raramente alguém dizia: O que eu pretendo fazer com isso a partir de agora? O mais interessante é que essa necessidade humana de saber a causa e o motivo de tudo, na grande maioria da vezes, atrapalha muito mais do que ajuda. Existem pessoas que perdem uma vida inteira tentando compreender os porquês do ontem sem perceber as riquezas do hoje. As pessoas mais sensíveis e felizes que conheci eram afeitas a perguntas mais inteligentes do que o ‘porquê’ das situações, nelas existia uma percepção muito mais ampla acerca da própria existência. Pessoas assim tem um quê diferente, uma intuição especial, um jeito único de sentir as situações, não costumam repetir as escolhas e equívocos, são profundas.
Nem tudo pode ser explicado, querer entender porque o parceiro foi embora, o chefe nos demitiu ou o amigo sumiu pode nos ofertar algumas lições, apenas isso. Depois é preciso seguir em frente e olhar adiante. É preciso abandonar as culpas, os medos, os fantasmas e carregar na mochila apenas as vivências, os aprendizados e as lembranças que nos fazem bem e que nos tornam melhores.
Nas fases complicadas da vida é uma boa hora para nos livrarmos dos excessos, dos livros já lidos, das roupas não usadas, das bugigangas materiais e emocionais, é hora de limpar a casa e abrir espaço para o novo! Tão ou mais importante do que reciclar o lixo é reciclar os sentimentos. Saber virar a página nos permite rirmos de nós mesmas, chorarmos e gargalharmos com vontade e com verdade.
Na medida em que aprendemos que nada é para sempre e que a única certeza da vida é a constante mudança, nos tornamos seres humanos menos ansiosos e perturbados diante da novidade, dos contratempos e das surpresas cotidianas. Eu sempre acreditei que tudo aquilo que é natural e espontâneo emociona muito mais do que o que é planejado, pois está livre de expectativas.
Deixar para trás, esvaziar, abrir mão, não querer controlar, tornar-se mais leve, não ter medo do ridículo, amar sem medo, aconselhar com o coração e não com a prepotência, enxergar e não apenas olhar, dançar com os ouvidos e esquecer os pés... Não esperar flores, dar flores, beijar como se fosse a primeira vez e se despedir como se fosse a última, apreciar mais as dúvidas do que as certezas, cantar para vida e seduzir a felicidade, ser a melhor amiga de si mesma... Sinto que é isso que conquistamos quando nos permitimos iniciar um novo capítulo nos nossos livros pessoais, na nossa narrativa única, apaixonante e intransferível de sermos nós mesmas.

- Lígia Guerra -

http://www.gazetadopovo.com.br/blog/mulheresasavessas/

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