quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Diário de uma lagarta, meu novo trabalho [parte 1]


É mais fácil para o camelo.


Eu tinha um  trabalho cômodo, tinha um cargo de confiança em uma academia de pilates aqui na minha cidade, tinha o apoio e a simpatia da minha chefe, mas a única coisa que eu me apego de verdade é a mudança, e decidi não lutar mais contra essa minha louca paixão, tenho que estar em movimento, e aproveitar todo o universo sem fronteiras que me rodeia, o cargo que eu tinha não me permitia isso, me prendia com um bom salário mas não me inspirava e não me fazia transpirar. Então larguei meu trabalho já que também teria que ter tempo para começar a estagiar na minha área e sem salário fixo seria imprescindível pegar alguns "freelancers", então comecei a fazer alguns contatos e me agenciar para pegar alguns trabalhos de promoções e eventos afinal, gosto de me comunicar, ver gente, e por isso trabalhar com divulgação não seria problema para mim, pelo contrário, me daria gosto, ainda mais que posso aprender e de alguma forma viver momentos peculiares que sem dúvida, são ricos para a vida. 

E assim tem sido, tenho vivido na rua momentos e experiências que me marcaram e alguns  outros que me indignaram profundamente.

Cito um exemplo: era um dia de sábado, estava me arrumando para ir encontrar com algumas amigas no clube, os dias de sol estão assolando mesmo a capital mineira, de repente meu celular toca, era de uma empresa de promoções me perguntando se eu poderia cobrir uma moça que faltou de última hora, falei que sim e perguntei qual seria meu trabalho e o valor que iria receber, ela disse o valor e disse que precisaria sábado e domingo, pensei rápido nas minhas amigas, nas minhas contas, no Sol, na piscina e disse que retornaria dentro de poucos minutos para confirmar, acham que tive dúvidas? 
Não! Minha resposta foi certeira, eu iria pegar o trabalho. Agora me perguntem se tive um pouco de desconforto? Claro que sim, era sábado, havia convidado minhas amigas para um dia no clube mas não poderia deixar de ir, e eu queria ir também, eu sou mesmo uma louca, tenho um gosto meio mórbido, panfletar no sinal sob o sol de 36 graus, e em cima de um asfalto quente, em um dia de sábado e posteriormente no dia de domingo também?! Sim, eu aceitei. 

Qual o problema? Digo para mim mesma, é um trabalho digno como outro qualquer, não era a primeira vez que eu iria fazer isso e nem a última, mas tenho que repetir sempre para mim mesma, porque há um súbito sentimento que tenta surgir dentro de nós, dizendo: você não precisa disso, você está se expondo, isto é vergonhoso e etc, coisas do ego que sugere sempre que o deus “eu” não pode ser contrariado jamais e que ele deve sempre ser venerado, há quem diga amém para si mesmo, mas eu optei por não dizer.

Liguei para as meninas, pedi que me perdoassem mas o dia de clube iria ficar para outra oportunidade e lá fui eu. Destino: Um sinal de Belo Horizonte. 

E meu dia de sábado começou assim, e quer saber? Não queria ficar lamentando nada. Aprendi com muito custo a viver bem cada segundo no lugar onde estou, onde eu não estou nem um segundo me interessa. Queria cumprimentar cada pessoa que eu entregasse o panfleto com sorriso largo e realmente pude fazer isso, pois estava de sorriso largo por dentro. Quando se trabalha assim, as horas parecem voar, e se eu queria transpiração ali era o lugar perfeito, minhas pernas ficavam “doces” de tanto que eu andava. 

Fazer o melhor trabalho seja ele qual for, isso eu tenho na cabeça e então entregava um a um, com um cumprimento alegre. Mas não existe ninguém que consegue permanecer alegre e contente o tempo todo.  Me senti de várias formas ali naquele lugar. Junto comigo, no sinal tinha um mendigo deitado no meio do canteiro central, um homem pedindo esmolas, uma vendedora de jornal diário. Várias realidades em um só lugar, carros caros e chiques, desfilando seus reis e suas soberbas, carros simples, desfilando seus mercenários, carros populares transportando famílias, carros comerciais transportando trabalhadores. Carros, muitos carros... Eu desfilava no meio deles, entregava os panfletos, olhava nos olhos de quem recebia e era como se eu pudesse sentir a alma daquelas pessoas. Cada olhar me comunicava alguma coisa.

Comecei a tentar conversar com um dos homens que estava no sinal pedindo esmola, perguntei a ele qual era seu nome. E espantado respondeu: quem é você? Ninguém nunca me perguntou o nome neste sinal, o que você quer? Repliquei, oras, quero te chamar pelo nome, apenas isso, e de repente ele disse: você tem telefone? Falei que sim e perguntei o porquê? Oras, disse ele, vou dizer meu nome apenas depois que você me der seu telefone. Fiquei muda. Mil coisas passaram pela minha cabeça.

Pensei: meu Deus! Que mundo estamos vivendo? Ninguém hoje acredita mais em uma atitude simples, despretensiosa? Estamos todos tão desacreditados, tão secos, com tanta sede. E eu estava sim com muita sede, literalmente. O homem não me respondeu, queria puxar papo com ele mas foi impossível, ele queria meu telefone, pois achou que eu o estava "cantando" pelo que percebi, rs.[absurdo?!] Talvez não. Ele é homem, ou seja, não perdeu a oportunidade de tentar me xavecar.

Deixei ele para lá. E continuei a panfletar, percebi que muitos pegaram o panfleto simplesmente por curiosidade, outros para ter oportunidade de fazer piadinhas sem graça mesmo, mas entre tudo isso que vivi ali , aquele homem deitado no centro da avenida com um cachorrinho me chamava e me apontava algo em mim toda hora: Minha miséria. E por um momento tive um pensamento que tenho certeza não veio de mim mesma: “Aquele homem deitado, o outro pedindo esmola não são em nada diferentes desses homens que estão passando de carros importados, cheirosos e bem vestidos, e talvez eles, os dos carros, sejam mais miseráveis que estes que estão no sinal pedindo esmola e até do que você mesma que esta aí trabalhando. E mais, talvez muitos que estão morando na rua sejam mais ricos do que muitos que vivem em belas casas”. 

O ser humano não tem nada que não lhe seja dado. Tudo , absolutamente tudo que o homem possui não foi originário dele mesmo, tudo lhe é entregue. Por tanto o possuir ou não algum bem material não determina quem somos na essência. Porém alguns vivem como ricos sendo pobres, outros sendo pobres vivem como ricos.

Todos tem algum tipo de riqueza e por as possuir se tornam parte de uma realidade que os impede de viver o reino de Deus, (riquezas materiais ou não). Tudo aquilo que o homem possui ou que o possui e o faz desperceber sua essência miserável e pobre que todo ser humano é (sem exceção) diante de Deus, acaba por transformá-lo em um tipo de deus. Ele passa a se venerar, e passa a viver apenas para ser aquilo que ele quer e por isso ele não percebe outros seres humanos.

A riqueza é um tipo de “bem” que transforma o seu possuidor naquilo que ele sempre quis ser: deus.

Mas  no céu já existe um Deus, assentado no sublime trono. Acho que por isso Jesus Disse:


"Mais fácil o camelo passar pelo fundo duma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus."
          Mateus 19:24


A largata do sinal : 
Si Caetano



2 comentários:

  1. Si,

    Minha mana linda...

    Eu e minha mãe nos emocionamos e conversamos muito sobre este post...a cada dia te admiramos e amamos mais.

    Você é a lagarta, garça, enfim, uma bichinha linda e especial demais!

    Obrigada por compartilhar algo tão precioso de forma tão singular...nós que te conhecemos pessoalmente, sabemos o quanto cada uma das tuas palavras são verdadeiras.

    Bjs regados de amor:

    Roberta e Mamy

    =)

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  2. Ohhh gente minha Maezinha emprestada leu o post também é? que lindo !!!!

    O querida amo muito vcs, obrigada pelas palavras,são fonte de amor para meu coração.


    Bjos

    Largata.

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