quinta-feira, dezembro 15, 2011

A Menina Do Sorriso Roubado


Graça
Pela primeira vez me engasguei ao pronunciar essa palavra.

Estava em trabalho voluntário num desses estados acolhedores do nosso país quando conheci Vivian*.

Vivian tinha idade que cabia nos dedos de uma só mão e um olhar triste. Olhar que não combina em rosto de criança.
Lembro perfeitamente quando a vi pela primeira vez. Havia chegado de uma de nossas apresentações de teatro e as vozes, minhas e de meus amigos, estavam alteradas de tanta empolgação. Falávamos sobre o necessário improviso, sobre a fala errada e sobre o homem que nos assistia, de longe, com um fuzil nas mãos.
Ao passar pela pequena menina, exclamei:

-Que menina linda! Como é seu nome?

Vivian me olhou de canto e, com a boca escondida entre as pequenas mãos, soltou em voz pequena:

-Vivian...
-Que nome lindo, Vivian! _Disse eu, na tentativa fracassada de prolongar a conversa.

O moço que a tinha nos braços sorriu e disse:

-Vivian é assim mesmo, não tem o sorriso fácil.
-Deve ser timidez.
-Não é. _respondeu ele.

Não sabia o que pensar. Despedi-me e fui tirar a maquiagem para o jantar.
Fato é que a mistura de beleza e desespero que li nos olhos da menina não saiam de minha mente.

Passado dois dias, perguntei à uma moça sobre ela.

-O que há com Vivian? Tem um olhar tão triste...

A moça me contou, em segredo, que ela havia sido abusada por um dos homens do bairro e que, depois desse dia, nunca mais sorriu.

Não consegui dizer palavra alguma.
Aquela notícia gerarou dentro de mim um misto de compaixão e ódio.
Não há nada mais covarde que roubar a alegria e a pureza de uma criança. E agora, Vivian teria que carregar essa marca para o resto de sua vida.

Ninguém tinha o direito de fazer isso.

Ninguém!!!

Passado duas semanas estávamos nos preparando para nossa ultima apresentação naquela comunidade. Parte de mim era alegria por ter vivido e convivido com pessoas tão especiais que possuíam historias e lágrimas e outra parte era tristeza por não poder levar embora a dor de Vivian.

Era sexta-feira e o sol já havia recolhido suas cores.

O salão onde nos apresentaríamos pela ultima vez não cabia mais do que cem pessoas. Faltavam poucos minutos para começar e o salão estava lotado.

Vivian estava lá, separada de todas as outras crianças, mas estava lá.

Talvez o olhar perdido da menina ganhasse vida ao ver um teatro tão cheio de cores e risos. Essa era minha esperança naquela noite: trazer de volta o sorriso roubado da menina.
Lurdes, uma senhora do grupo se aproximou e perguntou:

-Você terá a palavra final, sobre o que irá falar?
-Sobre o amor que nos resgata. Sobre o grande amor de Deus por nós.

Não havia terminado a ultima palavra e um senhor passou por nós.
Cabelo cinza, olhos baixos e estatura média.
Lurdes aproximou seus lábios de meu ouvido e sussurrou.

-Ele. Foi ele quem machucou Vivian.

Não respondi palavra alguma, mas meus olhos devem ter dito maldades sem fim, pois Lourdes continuou de modo sereno, com voz de quem aconselha:

-O amor de Deus que é derramado sobre a vida de Vivian é o mesmo amor que cairá sobre o coração desse homem proporcionando, a ele, perdão. A mensagem é para os dois, não se esqueça disso.

Minhas pernas tremeram.

A mensagem que havia preparado para a ocasião parecia não caber mais naquele lugar.
No mesmo local encontrava-se a menina do sorriso roubado e o ladrão. Mais ainda, no mesmo local, estava Deus!
.

*Vivian é um nome fictício a fim de proteger a privacidade da pequena menina.



Luciana Leitão

Lido em Rabiscos da Lú

3 comentários:

  1. como Deus falou comigo atraves desse texto,acho q hoje comecei a ver muitas coisas com outros olhos...obrigada , por me enviar....

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  2. Luciana Leitão sempre encantando com sua doçura e sutileza... Que o PAI console corações de meninas e meninos, que passam ou já passaram por essa situação, providenciando cura e restauração.
    Beijos

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  3. Estou passando por uma situação como essa e foi exatamente isso que me aconteceu. Deus nos ajude a entender a tua graça!

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