sexta-feira, dezembro 02, 2011

Ele é, e nunca para de ser...

Escuta sem susto e sem sofrimento: o neutro do Deus é tão grande e vital que eu, não aguentando a célula do Deus, eu a tinha humanizado. Sei que é horrivelmente perigoso descobrir agora que o Deus tem a força do impessoal – porque sei, oh eu sei! que é como se isso significasse a destruição do pedido!
E é como se o futuro parasse de vir a existir. E nós não podemos, nós somos carentes.

Mas ouve um instante: não estou falando do futuro, estou falando de uma atualidade permanente. E isto quer dizer que a esperança não existe porque ela não é mais um futuro adiado, é hoje. Porque o Deus não promete. Ele é muito maior que isso: Ele é, e nunca para de ser. Somos nós que não aguentamos esta luz sempre atual, e então a prometemos para depois, somente para não senti-la hoje mesmo e já. O presente é a face hoje do Deus. É com os olhos abertos mesmo que vemos Deus. E se adio a face da realidade para depois de minha morte – é por astúcia, porque prefiro estar morta na hora de vê-Lo e assim penso que não O verei realmente, assim como só tenho coragem de verdadeiramente sonhar quando estou dormindo.

Sei que o que estou sentindo é grave e pode me destruir. Porque – porque é como se eu estivesse me dando a notícia de que o reino dos céus já é.

E eu não quero o reino dos céus, eu não o quero, só aguento sua promessa! A notícia que estou recebendo de mim mesma me soa cataclísmica, e de novo perto do demoníaco. Mas é só por medo. É medo. Pois prescindir da esperança significa que eu tenho que passar a viver, e não apenas a me prometer a vida. E este é o maior susto que eu posso ter. Antes eu esperava. Mas o Deus é hoje: seu reino já começou.

E seu reino, meu amor, também é deste mundo. Eu não tinha coragem de deixar de ser uma promessa, e eu me prometia, assim como um adulto que não tem coragem de ver que já é adulto e continua a se prometer a maturidade.

G.H. 

Trecho de “A paixão segundo G.H.” de Clarice Lispector.

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