"Tem pessoas que são como a cana de açúcar: por mais esbagaçadas que estejam, nada mais oferecem que a própria doçura."
D. Helder Câmara.
A vida tem suas moendas, moendas estas que jamais desejamos passar mas que certamente todos nós iremos atravessar.
Atire a primeira engrenagem aquele que nunca teve um sonho triturado, que nunca teve um plano atropelado e esmagado por eventos externos e alheios a sua vontade. Quantos de nossos queridos já passaram por moendas, às vezes sem volta, só nos sobrando a lembrança de suas doçuras e bondades.
Guimarães Rosa diz que a vida é assim “esquenta e esfria […] e o que ela requer mesmo da gente é coragem”, ele também foi um dos que lucidamente nos afirmou que “viver é muito perigoso”.
Sim, viver é perigoso. No caminho há moendas que podem nos ter como material de trituração. Não por causa de carniceiros desejos, mas porque este são os fatos da vida. Simples e dolorosos assim.
Vejo pessoas na moenda. Vejo minha vida em algumas moendas. E ao ver, também penso e desejo que possa possamos ser como as pessoas descritas na frase de D. Helder Câmara. Que saibamos emanar doçura. Que de nossas dores ao invés do brotar da amargura, possamos emprestar empatia, acolhimento a outros que assim como nós estão em processo de moagem.
Não são poucas e infelizmente não raras as pessoas que vejo embrutecer-se e desumanizar-se por se desesperarem da vida.
Semana passada em meio a uma conversa em uma sala de adolescentes, vi uma menina “no alto” de seus 14 anos exclamar: “Cansei de ser boazinha, professora. Eu agora vou ser má”. A moenda não escolhe idade, mas podemos escolher o que queremos deixar como produto de tal processo. Na mesma escola, vi uma menina que caminha com a ajuda de um andador. Sua altura é comprometida, assim como seus movimentos e obviamente sua aparência. Fiquei sabendo de sua história alguns dias depois. Ela tem mais cinco irmãos. Todos estavam em um abrigo quando foram adotados por uma mesma mulher. A mãe biológica morreu. O pai era um alcoólatra que abusava dos filhos. A razão da deficiência da menina é consequência dos abusos sexuais sofridos desde a mais tenra idade. Ela e os irmãos passaram por moendas cruéis demais para qualquer ser humano, mas afirmo: não há crianças mais doces. Quero crer que desde novos eles aprenderam que o ódio e o desamor contra tudo e todos não é um bom sumo que devemos deixar escorrer pela engrenagem que nos tritura.
Lembro-me sempre do que disse Rubem Alves: “eu só sou aquilo que sou hoje, porque todos os meus planos deram errado”.
Assim é. Assim as coisas são.
Lembro-me, por fim, de Cristo. Também chamado de homem de dores e segundo o profeta “Aquele que foi moído (...)”. Até Deus passou por uma moenda, e isto me espanta. E o que dela vicejou foi perdão, amor e sobretudo reconciliação com toda a humanidade. Uma nova proposta de vida, um novo caminho, um novo tempo, o raiar de novas esperanças.
Muitas vezes as moendas lá estarão por permissão do próprio Deus. Me vem à mente uma célebre frase do avivalista Smith Winglesworth, muito celebrado em meios neopentecostais. Sua frase ecoa longe das promessas de prosperidade tão idolatradas por muitos de seus partícipes. Smith diz assim:
“Muitas vezes, Deus passou o seu rolo compressor sobre mim, mas ele jamais me deixou no chão”.
Parece um pouco chocante se visualizarmos a cena descrita por Winglesworth. Como não pensar em Deus como um ser sádico que tem prazer em torturar seus filhos?
É isto que a visão míope e o coração machucado desejarão nos convencer como sendo a verdade. O que brota de fato de tal afirmação, é que Deus não nos desampara, jamais nos abandona e será o primeiro a nos colocar de pé, curar nossas dores e nos fazer olhar além das circunstâncias dolorosas.
Falo do que conheço, e conheço um Deus de amor. Que não pisa a cana quebrada e nem apaga o pavio que fumega (tomando emprestada as palavras de um antigo profeta), mas que está presente conosco todos os dias.
Aprendendo a doçura com as moendas,
ah que lindas citaçoes você tem. muito lindo o texto. preciso. encantador. obrigado por inspirar-nos. valeu. abraços lamarque
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