quinta-feira, dezembro 06, 2012

Passarim

Baseado em fatos verídicos

'Passava o dia no quintal, esvoaçando e cantando entre as mangueiras. Bem- te-vi que se preza canta o tempo inteiro. Tinha uma coloração parda no dorso e amarela viva na barriga. No alto da cabecinha passava uma listra branca, assim como na garganta; a cauda era toda preta.

Estava bem na mira do menino, a uns 60 graus do estilingue novo, recém feito com tiras de borracha e a forquilha amarrada ainda verde.

O menino vivia de ouvido no ar, imaginando ser um soldado a procura do inimigo, ou, vai saber, o próprio Sargento Vic Morrow da série da TV, pronto para abater seu primeiro troféu.

Aí o bem-te-vi cantou. Aquilo encheu o coração do menino, que sentia a batedeira na boca enquanto encaixava a pedrinha no couro do estilingue. A pedra saiu voando em direção ao alvo. O tiro foi certeiro… a pedra atingiu em cheio o peitinho amarelo do bicho! Mas, para surpresa do menino, o pássaro permaneceu imóvel, olhando fixamente para o caçador. A pedrinha simplesmente havia quicado nas penas e caído direto no chão, sem mesmo abalar o passarinho.

O menino, assombrado, percebeu que não havia medo no olhar do bem-te-vi. A principio teve até um pouquinho de culpa, mas aos poucos aquilo se transformou em um misto de alívio e gratidão. Em seus 12 anos de vida, sentiu pela primeira vez uma reverência à vida e a celebração da liberdade. Descobriu que a face de Deus costuma aparecer nas pequenas coisas. Aprendeu a cultivar esse sentimento.

Adulto, lembra-se da história e procura entender o que realmente aconteceu. Pensa em explicações lógicas: haveria um galho à frente que não percebera? O projétil perdera a força vibrando no ar? Sua ansiedade de caçador imaginou tudo isso?

Não. Tudo aconteceu exatamente assim. O homem conclui que não tentará achar mais nenhuma explicação. A certeza que carrega é que, naquele dia, um menino cresceu rápido para se tornar um homem de bem.'

Helena Beatriz Pacitti, outubro de 2009.
Lido em: http://pavablog.blogspot.com.br/

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