É provável que o dia 19 de abril tenha sido dedicado à homenagem de
algum índio desencarnado. Porém, com o fim da ditadura, o Dia do Índio
foi adotado como ocasião oportuna para os governos apresentarem um
balanço do que andam fazendo a respeito e, via de regra, aproveitarem a
maior visibilidade pública do assunto para anunciar demarcações de
terras indígenas. Cumprimento, ainda que lento, da Constituição.
E também há os que consideram a homenagem uma forma hipócrita de se
afagar aqueles a quem se negam direitos nos demais dias do ano: “todo
dia era dia de índio”. Ou, deveria ser, pois são atores vivos do
presente e do futuro, não apenas do passado. Mas, em 2012, a presidente
Dilma preferiu nem realizar qualquer cerimônia, muito menos anunciar
alguma demarcação. E seguiu-se um ano duro para os índios, com os
processos fundiários quase paralisados, nenhum investimento sério na
gestão das terras demarcadas, imposição de obras impactantes sem
consulta e com condicionantes fictícios.
Porém, nunca antes na história desse país havíamos assistido a uma
semana do índio como esta de 2013, antecedida do envio da Força Nacional
para aterrorizar aldeias dos índios Munduruku, que se opõem à
transformação do Teles Pires e do Tapajós numa sequência de lagos mortos
que inundariam parte das suas terras. Enquanto isso, o presidente da
Câmara dos Deputados anunciou a instalação de uma comissão especial para
analisar uma proposta de emenda à Constituição visando travar, no
Congresso, a demarcação de terras indígenas e a criação de unidades de
conservação. Uma emenda para descumprir o princípio constitucional.
Vale destacar que a Funai realizou esse ano um esforço grande para
identificar as terras dos índios Guarani Kaiowá, etnia mais numerosa do
Brasil e que dispõe de menor extensão de terras do que as destinadas aos
assentados da reforma agrária do MS. E o ministro da Justiça, em vez de
tomar a decisão política sobre essas terras, que cabe a ele e não à
Funai, prefere receber comissões de ruralistas, acolher interesses
contrariados e fragilizar a posição da Funai, órgão vinculado ao seu
ministério. Até o momento é o ministro mais omisso desde o final da
ditadura, no que se refere ao provimento de justiça.
Pior ainda foi a atuação da AGU, Advocacia Geral da União, que, na
esteira de escandalosos pareceres produzidos para atender interesses
privados, também expediu uma portaria para generalizar restrições às
demarcações de terras indígenas. Em vista de intensos protestos, a AGU
acabou suspendendo a vigência dessa portaria, sem, no entanto,
reconhecer e revogar o dano pretendido ao patrimônio público. As terras
indígenas são bens da União.
Também cabe um destaque positivo para a retirada de invasores de uma
terra Xavante, no Mato Grosso, para a qual foi decisiva a articulação de
ações de vários órgãos de governo, através da Secretaria Geral da
Presidência. Mas não há como atender à demanda acumulada através de uma
secretaria sem maior estrutura executiva. Os pontos de apoio que restam
aos índios dentro desse governo estão remando contra a corrente.
Atravessamos conjunturas diversas e adversas para o trato dos
direitos indígenas no período democrático mais recente. Mas o atual
governo é o primeiro a renunciar à responsabilidade histórica e à
obrigação constitucional de tutelar os direitos das minorias. O seu
destino foi relegado às correlações locais de força e à sanha dos seus
próprios inimigos. Assim, nenhum dia mais será dia de índio.
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