segunda-feira, janeiro 21, 2013

O canto dos pássaros, a expansão predial e eu...





Eu estava na cozinha preparando o almoço quando fui atraída por uma cantoria alta do lado de fora. Olhei pela janela que dá para o terraço e nada vi, mas o som continuava cada vez mais forte, não me contive e saí à procura do autor de tão portentosa melodia.
Passei meus olhos por todo o imenso espaço exterior e nada. Pousei meus olhos no telhado e lá estava ele (ou ela), em plena quina. Não se ateve a mim, continuou a ressoar seu cântico que mais parecia um discurso emocionado. Foi então que atentei que no telhado do sobrado à frente um(a) amigo(a) lhe correspondia. Não eram da mesma espécie e não me perguntem de que espécie ambos (ou ambas) eram, pois meu olhar urbano consegue no máximo diferenciar urubus, pombas, beija-flores e pardais e posso afirmar que nenhum deles era deste rol por mim elencado.
Deixei-me absorver pela sua conversa-canto, da qual não entendia nada. Esta é outra falha grave, meus ouvidos embrutecidos pela selva de pedra não conseguem sequer discernir se a força daquele cântico era motivada por alegria ou tristeza.
Foi então que meus olhos avistaram mais um pássaro a conversar. Ele ou ela – percebo que esta coisa de falar de sexo de pássaros me parece tão misteriosa quanto o sexo dos anjos e talvez isso explique porque ambos têm asas – mas isso é conversa para outra hora e história- estava há uns dois sobrados de distância de meu telhado. Foi então que decidi fechar os olhos e percebi que havia uma enormidade de cantos ecoando por todos os cantos.  Emocionei-me. Lembrei-me das histórias de infância que nos narram as “festas na floresta”, tamanha a intensidade dos sons que se alastravam ao meu redor.
A diferença residiu na impressão que tive que nada celebravam. Parecia-me bem mais um lamento dolorido e íntimo.
Fiquei com isto no coração e na cabeça ao retornar aos afazeres. Por dentro de mim reverberava a sensação de que seja na alegria ou na desgraça a união se fez real entre a passarada. Pensei em nós, humanos por vezes tão desumanos, que pouco ou quase nada sabemos ou queremos saber sobre comunhão ou até mesmo sensação. Para que sentir? Para que ser? Busca-se tanto a suficiência no miserável ter nestes nossos dias fugazes onde poucos são os que ainda valorizam coisas que com dinheiro não se compra.
(...)
Há pouco sentei para trabalhar, ler notícias e eis que me deparo com a nota no jornal informando que foi liberada a construção de prédios em meu bairro, o qual situa-se em uma das mais verticalizadas cidades de nosso país.
Antes era apenas nossa orla tomada por espigões, agora vejo que, caso a notícia esteja correta, os pequenos prédios de meu bairro, bem como os sobrados que avistei com pássaros em seus telhados, podem também estar com seus dias contados. Talvez essa fosse a origem do lamento do bando de pássaros mais cedo ou talvez seja a constatação em forma de lamurioso canto de toda a degradação já existente em nossos arredores. Por fim, suspirei fundo e quis ter um canto como o dos meus amigos pássaros. Queria poder dizer em melodia o que em palavras não sou capaz de abarcar. Por fim emudeci. Na falta de melodia me calei.
De repente fui perpassada pela ideia de lutar. Quem sabe tentar impedir tal movimento. Lembrei-me do adágio que diz que “uma andorinha só não faz verão”. Talvez seja verdade. Mas muitas andorinhas ou muitos pássaros de formas e cantos bem variados podem marcar um sinal de mudança e nova atitude. Decido encher os pulmões de ar e cantar. Talvez não seja compreendida. Talvez nada mude, mas com certeza, assim como meus amigos pássaros de hoje cedo, serei ouvida. 

Roberta Lima

Agora só espero a despalavra: a palavra nascida
Para o canto-desde os pássaros.
A palavra sem pronúncia, ágrafa
Quero o som que ainda não deu liga
Quero o som gotejante das violas de cocho."

_____Manoel de Barros

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