terça-feira, outubro 01, 2013

EU SOU SE VOCÊ É

 Por Ed René Kivitz



Não devam nada a ninguém, a não ser o amor de uns pelos outros, pois aquele que ama seu próximo tem cumprido a lei. Pois estes mandamentos: “Não adulterarás”, “não matarás”, “não furtarás”, “não cobiçarás”, e qualquer outro mandamento, todos se resumem neste preceito: “Ame o seu próximo como a si mesmo”. O amor não pratica o mal contra o próximo. Portanto, o amor é o cumprimento da lei. [Romanos 13.8-10]
O senso popular formado a partir da cultura ocidental confunde amor ao próximo com amor romântico, amabilidade social e ou simpatia cordial no contexto da amizade. A Bíblia Sagrada, entretanto, considera amor ao próximo um critério objetivo de relacionamento que transcende emoções, sentimentos e simpatias. Não é razoável, nem mesmo possível, legislar a respeito da subjetividade dos afetos. Mas é perfeitamente possível e necessário exigir padrões de comportamentos que não sejam sujeitos aos humores interiores ou diferenças próprias de contextos distintos em termos culturais, sociais e históricos. O mandamento do amor ao próximo, é, portanto, critério objetivo que se pretende para toda a humanidade justamente por afirmar uma verdade (ainda que axiomática) atemporal e universal.
Os filósofos judeus Rosenzweig, Buber e Levinás trataram dessa questão quando propuseram um tradução alternativa para a expressão “como a ti mesmo” que compõe o mandamento de amar ao próximo. Disseram que o correto seria “ama a teu próximo, ele é como tu”, ou ainda “ama a teu próximo, pois tu mesmo é ele”. O teólogo e economista alemão radicado na América Latina, Franz Hinkelammert, acrescenta a essas traduções uma outra decorrente das anteriores: “eu sou se você é”.
A tradição africana usa a expressão ubuntu para identificar essa tradução do princípio do amor ao próximo. Ubuntu é uma palavra usada pelos povos Bantos, nas línguas zulu e xhosa, e pode ser traduzida mais ou menos como “sou o que sou pelo que nós somos”. Desmond Tutu, arcebispo anglicano na Africa do Sul, diz que “uma pessoa com ubuntu está aberta e disponível aos outros, não preocupada em julgar os outros como bons e maus, e tem consciência de que faz parte de algo maior e que é tão diminuída quanto seus semelhantes que são diminuídos ou humilhados, torturados ou oprimidos”. Faz sentido dizer que uma pessoa com ubuntu também se reconhece honrada e respeitada em sua dignidade sempre que seus semelhantes assim são reconhecidos e respeitados.
A maturidade espiritual implica olhar o próximo não como um outro em oposição, diferenciação e competição, pois “ele é como tu” e “tu mesmo és ele”, e assim como ele é somente quando você é, também você somente é quando ele é. O que assim não é, está aquém do amor e portanto estranho a Deus, pois Deus é amor.

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