sábado, novembro 05, 2011

Vale a pena "ler" de novo: Uma história, uma denúncia, um apelo...



Alexandre tinha 23 anos quando foi visitar pela primeira vez, e a convite de um amigo de trabalho, essa nova denominação evangélica neopentecostal. Tinha ouvido muita coisa boa a respeito do pastor, do louvor que tocavam lá e dos testemunhos sobre curas, milagres e grande mover de Deus naquela comunidade. Já caminhava com Cristo há alguns anos, participando ativamente das atividades de um ministério com longa tradição dentre as igrejas pentecostais no Brasil. Ficou curioso e fascinado com a ideia de que o Espírito Santo atuava, nos nossos dias, muito parecido com o que lia na Bíblia: curas, milagres e uma presença tão palpável que as pessoas caíam com a manifestação do próprio Deus.

Era mesmo tudo o que ouviu dizer. Visitou uma, duas, mais vezes e tudo o que experimentava era incrível. Decidiu por mudar para o novo ministério e desligou-se de onde congregara por quase quatro anos. Seu pastor ficou furioso e ele saiu de lá sob pressão pastoral de que seria amaldiçoado porque esse tal novo ministério nasceu a partir de um racha na denominação. Alexandre não se deixou abater e transferiu-se. Fez novos amigos, começou a frequentar as reuniões aos sábados e sentar com uma turma de jovens nas celebrações de domingo. Participou de seminários fantásticos, onde as pessoas recebiam ministérios proféticos, descobriu o que era o tal mover do Espírito quando caiu na unção. Teve sonhos, visões e palavras proféticas. Estava num nível espiritual que jamais havia alcançado antes.

Alexandre não demorou a interessar-se por trabalhar no ministério. Com grande habilidade para as artes, especialmente teatro, entrou para o grupo já existente e começou a ajudar nos trabalhos. Fez o papel de Jesus numa das peças de grande produção da comunidade. Tudo ia muito bem. Então, com paixão pelo ministério de intercessão, decidiu ingressar também. Foi informado de que era necessário marcar um aconselhamento com o pastor presidente do ministério e levar, já preenchida, uma ficha de libertação e que no dia deveria estar em jejum. Passou na secretaria, pegou a extensa ficha e agendou o aconselhamento. Em casa, sozinho no quarto, pegou uma caneta e passou a ler a tal ficha, ficou surpreso com as perguntas que iam desde a origem religiosa de seus antepassados quanto si próprio. Com coração disposto, ainda que receoso, foi sincero como jamais o tinha sido e anotou toda a verdade. Guardou a ficha no envelope de papel pardo e aguardou o dia do aconselhamento.

Chegou dez minutos mais cedo e entregou a ficha nas mãos da secretária que imediatamente levou até o escritório do pastor, pedindo que aguardasse um pouco. Vinte minutos se passaram e ele sentiu-se desconfortável. Logo depois a secretária anunciou que podia entrar. Ao chegar na porta, pediu licença e entrou e do outro lado da mesa o pastor levantou os olhos da ficha, sorriu levemente e o cumprimentou, pedindo que se sentasse. Conversaram um pouco sobre a vontade de Alexandre de participar do ministério de intercessão e o pastor falou sobre as responsabilidades dos intercessores, dos riscos e um pouco de batalha espiritual. Então, faltava apenas ministrar a “libertação”, afim de que toda maldição fosse quebrada, os pecados confessados e as brechas restauradas. Começaram então uma série de renúncias sobre todos os envolvimentos espirituais anteriores à fé cristã, seus e de seus antepassados. Passaram para as questões emocionais referentes aos vícios e pecados e então, o choque. O pastor arregalou os olhos ao ler sobre a área sexual e num impulso disse em alta voz: Você é gay?! Já teve relações com outro homem?! Como é que pôde ter feito algo tão abominável aos olhos de Deus?! Quando foi isso?! Mas você não estava namorando uma moça quando veio pra cá?! Que vergonha!

Alexandre sentiu suas pernas tremerem e, por um instante, parecia que o ar não entraria de novo por suas narinas para dar novo fôlego aos seus pulmões. A sala ficou pequena, o ar rarefeito, parecia pisar num lugar frio, escuro, úmido e muito estreito. Assustado, não soube o que dizer, os sentimentos furtaram seu raciocínio e aquela onda de rejeição que já sentira tantas vezes antes ao longo de sua vida, invadiu-o subitamente. Com os olhos marejados, só balançou instintivamente a cabeça em posição afirmativa. Era gay, o que o “mundo” classificaria como bissexual, na verdade. Mas o que importava era que sim, ele teve relações com outra pessoa do mesmo sexo. Daí em diante, respondeu uma série de questões: Sim, fui abusado por um primo dois anos mais velho quando era pré-adolescente; Sim, me envolvi algumas vezes com rapazes; Sim, namorei uma moça; Não, não tive relações sexuais com ela por causa da nossa fé cristã; Sim, estou disposto a viver para Cristo e buscar a santidade sexual... Mas ele não estava mais ali. As palavras ecoavam de um lado para outro da sala e repetiu, sem sentir nenhuma paz e ânimo mais, as orações de renúncia.

Alexandre sumiu por uns dias. Faltou na reunião de jovens no sábado seguinte e na reunião do domingo. Alguns amigos sentiram falta e o que outro crente que trabalhava com ele foi logo perguntando por que tinha faltado nos cultos do fim de semana. Deu uma desculpa e concentrou-se em trabalhar, evitando qualquer conversa. Mais uns dias se passaram e ele se manteve distante. Duas semanas depois, voltou. Depois sumiu novamente. Os meses seguintes foram de aproximação e afastamento. De erguer-se e cair. Não resistiu às investidas de um cara com quem dividia o mesmo ônibus todos os dias para o trabalho. Cedeu. Envolveu-se. Parou de congregar. Os amigos souberam, tentaram ajudar. Mas as feridas abertas pareciam piores. Onde esperava misericórdia e apoio, encontrou rejeição. Não conseguia estar lá e ouvir a pregação daquele pastor. Que "homem de Deus", afinal, era aquele?

Alexandre, por fim, cansou de precisar liberar perdão, de orar, de jejuar e de clamar a Deus que mudasse sua condição. Dependia o tempo todo de que os amigos crentes estivessem com ele para que não fosse para a balada e se lançasse à promiscuidade e relações ilícitas. Não conseguiu. Mudou de emprego, de casa, assumiu a homossexualidade como opção para toda a família e começou uma vida nova com outro cara.

De vez em quando ele liga, pergunta sobre os antigos amigos e sobre o ministério. Águas passadas, que  parecem não voltar mais.

Infelizmente, isso tudo, eu tenho visto...

(Alexandre é o nome fictício de alguém que conheci...)

Andréa Cerqueira

2 comentários:

  1. O mais triste e que isso continua a acontecer todos os dias,onde está o amor?Não sabemos amar,essa é a realidade.

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  2. Relato tocante! Nas igrejas existe muito preconceito,e essa história de ficar levantando o passado da pessoa não funciona.Realmente o amor está ficando longe de algumas denominações.

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