quarta-feira, novembro 28, 2012

Salomão e “Salomoa”



“Salomoa” não é a mulher de Salomão. Porém, ela pensa como ele. Depois de muitos anos de vivência e de consumismo, ambos chegaram à desoladora conclusão de que a vida é um eterno correr atrás do vento. A confissão de Salomão está no penúltimo livro poético do Antigo Testamento, chamado Eclesiastes. A confissão de “Salomoa” está no artigo “Se eu pudesse”, publicado na “Folha de São Paulo” do dia 1° de agosto de 2012 e assinado pela jornalista e escritora Danuza Leão.
 
Esta é a confissão de Salomão: “A gente gasta a vida trabalhando, se esforçando e, afinal, que vantagem leva em tudo isso?”; “Quando pensei em todas as coisas que havia feito e no trabalho que tinha tido para conseguir fazê-las, compreendi que tudo aquilo era ilusão, não tinha nenhum proveito”; “Tudo o que eu tinha e que havia conseguido com o meu trabalho não valia nada para mim”; “Nós trabalhamos e nos preocupamos a vida toda, e o que é que ganhamos com isso?”; “É melhor ter pouco numa das mãos, com paz de espírito, do que estar sempre com as duas mãos cheias de trabalho, tentando pegar o vento”; “É muito melhor ficar satisfeito com o que se tem do que estar sempre querendo mais” (Ec 1.3; 2.11, 18, 22; 4.6; 6.9).
 
Esta é a confissão de “Salomoa”: “Se eu pudesse, me desfaria de muitas coisas, da minha casa e de quase todas as roupas. Afinal, quem precisa de mais do que dois pares de sapatos, dois “jeans”, quatro camisetas e dois suéteres, sobretudo quando anda pensando em mudar de vida? [...]. Se eu pudesse, rasgava os talões de cheques, cortava os cartões de crédito com uma tesoura, fazia uma linda fogueira com os casacos de pele e ia saber como é que vivem os que não têm, nunca tiveram e nunca vão ter nada disso. Eu aproveitaria o embalo para cortar os fios dos telefones, jogar o celular na tela da televisão e o computador pela janela [...]. E jogava na lata de lixo meus lençóis, meus travesseiros de pluma, meu cobertor e engolia minhas pestanas postiças, só para aprender que a vida não é só isso. Se eu pudesse, esquecia o meu nome, o meu passado e a minha história e ia ser ninguém. Ninguém”.
 
Entre Salomão e “Salomoa” -- quase três milênios --, muitos homens e muitas mulheres morreram correndo a vida inteira atrás do vento. Um bando de infelizes que errou o caminho da realidade e da realização. Foram iludidos pelo apreço demasiado pelo ter e pelo desapreço exagerado pelo ser. Caíram na cilada do consumismo, não sabendo ou esquecendo as palavras de Jesus: “A verdadeira vida de uma pessoa não depende das coisas que ela tem, mesmo que sejam muitas” (Lc 12.15).
 
Hoje a situação é mais difícil do que à época de Salomão, por causa do círculo vicioso do capitalismo (para haver lucro é preciso vender, para vender é preciso gastar e para gastar é preciso trabalhar e trabalhar...) e da máquina da propaganda, que nos incentiva a adquirir o que já temos em quantidade suficiente.1 Há um perfeito entrosamento entre o nosso desejo descontrolado de posse e a abundância de ofertas. Caímos todos juntos na ilusão do ter, sem o conhecimento ou a certeza de que isso nada mais é do que correr atrás do vento. Muitas vezes a religião, em vez de barrar, reforça a ilusão, pois ela também entra no mercado e ainda prega a atraente teologia da prosperidade.
 
Tudo isso acontece mesmo quando somos advertidos, não só pelo evangelho, mas também por estudiosos do assunto, como um dos pensadores mais influentes de nosso tempo, o polonês Zygmunt Bauman. No livro “A Arte da Vida” (Zahar, 2009), o professor emérito das universidades de Varsóvia e de Leeds afirma que, para a massa, “atingir a felicidade significa a aquisição de coisas que outras pessoas não têm chance nem perspectivas de adquirir, [pois] a felicidade exige que se pareça estar à frente dos competidores”.
 
O sonho de quem já é dono de uma boa casa ou apartamento é comprar o apartamento que tem “seis vagas por unidade, sendo uma delas no próprio andar do apartamento, acessada por elevador de veículos”.
 
Será que alguém dará importância às confissões de Salomão e “Salomoa” (Danuza Leão)?
 
Nota
1. 360 milhões de brasileiros passam anualmente pelos 430 templos de consumismo (“shoppings”) no país, movimentando 108 bilhões de reais.

Lido na revista ULTIMATO on line para ler outros artigos visite o portal: http://www.ultimato.com.br/

Um comentário:

  1. Belíssimo texto, atual e verdadeiro, nos apegamos e vivemos por tantas coisas, mas nos afastamos daquilo que é mais importante, pessoas e seus sentimentos, lindo texto, parabéns!

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