Tem coisas que nos acontecem na infância que mudam completamente o modo de vermos as coisas. E as pessoas.
Eu morava numa rua de nome difícil, que ficava nas bordas da cidade.
Meu vizinho da esquerda era o senhor Joaquim, um velho barbudo que amava as árvores, até fazia uma coleção delas no quintal da sua casa.
E do lado direito morava a Maria, uma menina com uns três anos a mais do que eu.
Eu tinha seis quando a vi pela primeira vez.
Maria tinha um jeito de menina doce, doce bem doce, do tipo mel ou laranja lima, sabe?
Não gostei dela desde a primeira vez que a vi com um vestido cheinho de florzinhas e cabelos trançados. Gente muito doce parece que nasceu errado.
- 'Créd cruis, por mil potes de açucar União!' num quero uma amiga assim não! _pensei.
É lógico que eu não quis manter contato com a menina, até porque dizem que a gente acaba se parecendo com quem conviv,e e doce sempre me fez mal. Morro de medo da
tal diabetes, doença que minha tia Firmina têm desde muito tempo. Iac!
Tia Firmina tem mais anos do que a minha mãe, mas não casou e nem teve filhos. Se você pensa que ela é triste, ahahaha você se enganou! Firmina é minha tia mais legal! E mais bonita. E adora viagens e vestidos longos. Na minha opinião, ela é a mulher mais legal do mundo todo! Depois da minha mãe, é claro.
Vai entender que critérios os homens usam pra escolher casamentos, né!?
Bem, da minha janela, eu sempre via a menina Maria a cortar flores.
Três vezes por semana, ela vinha com tesoura e um cesto bem grandão.
Na minha opinião, de boazinha ela nada tinha! Quem tem coração, não mata florzinha, nem botão.
Todas as vezes, que a Maria saia para suas maldades de canteiro, vinha um menino ranhento a gritar por atenção. Era Joazito, seu irmão.
João era um menino que gostava muito de gritar e de chorar. Duvido que tinha tempo pra fazer outras coisas! O barulho era sua maior ocupação.
Bem, a menina Maria era realmente muito má: matava flores e fazia qualquer coisa que - não imaginava o quê! - parava o choro do irmão.
Outro dia, a minha tia Firmina foi viajar.
Como a tia tem cama grande e muitos travesseiros, decidi que o melhor a fazer era ir dormir lá. Vai que de noite algum ladrão entrasse e a roubasse, né?
-Te juro, tia. Não vou mexer em nada. Nem precisa trancar._foi o que eu prometi quando vi tia Firmina tirando as chaves do quarto antes de sair.
Daí, a tia - inocente - deixou a porta sem fechar.
Quando a noite já era bem noite, fui de pijama e chinelo pra lá.
Que delícia de quarto!
Que delícia de cama!
E aquilo tudo era meu. Só meu!
Usei a abusei de tudo o que podia, usei até o perfume dela pra deitar!
Naquela noite, dormi cheirando flor...
Acordei com o sol ainda fininho, e antes de voltar para o quarto que era meu, decidi usar a janela da minha tia para ver o que tinha do outro lado da casa da Maria. Queria ver qual maldade a menina escolhia para castigar o irmão.
A janela da minha tia era bonita, tinha vidro transparente e cortina. E me deixar ver o que antes eu não via.
-Isto aqui é perfeito! _pensei!
Foi aí que minha interpretação sobre a Maria mudou.
Notei que a Maria tinha também uma família, além do irmão.
Da janela da tia Firmina, dava pra ver um pedaço do quintal da menina.
Lá tinha uma velha bem velha, parecendo bisavó. A velha estava numa cadeira que tinha rodas e que era - também - bem velha. Talvez as duas tivessem a mesma idade. Deveriam ter nascido em mil oitocentos e bolinhas. As duas!
Assim que Maria retornava com as flores no cesto, colocava-os no colo da velha e, depois, as duas faziam ramalhetes. Um mais bonito do que o outro.
A velha parecia gostar de fazer.
Não foi preciso segurar muito tempo a curiosidade sobre o irmão: mais um pouco e logo apareceu o menino chorão.
Só que, antes eu não percebia o grande volume na frauda que o menino tinha.
-Vá trocar seu irmão, Maria. _acho que eu até ouvi a velha mandar na menina.
-Sim, senhora! _concordou sorrindo a Maria.
Logo o menino não mais chorou. Voltou com outra frauda, limpinha e com um lencinho 'cheirador'.
Agora, a menina que antes era a mais exibida, da janela da minha tia, virou anjo. E até asa tinha.
Olha só o que olhar por outra janela me fez aprender...
....
Texto: Luciana Leitão
Imagem: Google
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