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domingo, fevereiro 09, 2014

A atualidade brutal de Hannah Arendt



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Adolf Eichmann, criminoso nazista. Mas, também, um burocrata preocupado apenas em cumprir ordens…
Filme de Margarethe von Trotta sugere que totalitarismo pode assumir faces “normais” e parece indispensável num cenário de democracia esvaziada e guerra iminente
Por Ladislau Dowbor
O filme causa impacto. Trata-se, tema central do pensamento de Hannah Arendt, de refletir sobre a natureza do mal. O pano de fundo é o nazismo, e o julgamento de um dos grandes mal-feitores da época, Adolf Eichmann. Hannah acompanhou o julgamento para o jornal New Yorker, esperando ver o monstro, a besta assassina. O que viu, e só ela viu, foi a banalidade do mal. Viu um burocrata preocupado em cumprir as ordens, para quem as ordens substituíam a reflexão, qualquer pensamento que não fosse o de bem cumprir as ordens. Pensamento técnico, descasado da ética, banalidade que tanto facilita a vida, a facilidade de cumprir ordens. A análise do julgamento, publicada pelo New Yorker, causou escândalo, em particular entre a comunidade judaica, como se ela estivesse absolvendo o réu, desculpando a monstruosidade.
A banalidade do mal, no entanto, é central. O meu pai foi torturado durante a II Guerra Mundial, no sul da França. Não era judeu. Aliás, de tanto falar em judeus no Holocausto, tragédia cuja dimensão trágica ninguém vai negar, esquece-se que esta guerra vitimou 60 milhões de pessoas, entre os quais 6 milhões de judeus. A perseguição atingiu as esquerdas em geral, sindicalistas ou ativistas de qualquer nacionalidade, além de ciganos, homossexuais e tudo que cheirasse a algo diferente. O fato é que a questão da tortura, da violência extrema contra outro ser humano, me marcou desde a infância, sem saber que eu mesmo a viria a sofrer. Eram monstros os que torturaram o meu pai? Poderia até haver um torturador particularmente pervertido, tirando prazer do sofrimento, mas no geral, eram homens como os outros, colocados em condições de violência generalizada, de banalização do sofrimento, dentro de um processo que abriu espaço para o pior que há em muitos de nós.
Por que é tão importante isto, e por que a mensagem do filme é autêntica e importante? Porque a monstruosidade não está na pessoa, está no sistema. Há sistemas que banalizam o mal. O que implica que as soluções realmente significativas, as que nos protegem do totalitarismo, do direito de um grupo no poder dispor da vida e do sofrimento dos outros, estão na construção de processos legais, de instituições e de uma cultura democrática que nos permita viver em paz. O perigo e o mal maior não estão na existência de doentes mentais que gozam com o sofrimento de outros – por exemplo uns skinheads que queimam um pobre que dorme na rua, gratuitamente, pela diversão – mas na violência sistemática que é exercida por pessoas banais.
Entre os que me interrogaram no DOPS de São Paulo encontrei um delegado que tinha estudado no Colégio Loyola de Belo Horizonte, onde eu tinha estudado nos anos 1950. Colégio de orientação jesuíta, onde se ensinava a nos amar uns aos outros. Encontrei um homem normal, que me explicava que arrancando mais informações seria promovido, me explicou os graus de promoções possíveis na época. Aparentemente queria progredir na vida. Outro que conheci, violento ex-jagunço do Nordeste, claramente considerava a tortura como coisa banal, coisa com a qual seguramente conviveu nas fazendas desde a sua infância. Monstros? Praticaram coisas monstruosas, mas o monstruoso mesmo era a naturalidade com a qual a violência se pratica.
Um torturador na OBAN me passou uma grande pasta A-Z onde estavam cópias dos depoimentos dos meus companheiros que tinham sido torturados antes. O pedido foi simples: por não querer se dar a demasiado trabalho, pediu que eu visse os depoimentos dos outros, e fizesse o meu confirmando a verdades, bobagens ou mentiras que estavam lá escritas. Explicou que eu escrevendo um depoimento que repetia o que já sabiam, deixaria satisfeitos os coronéis que ficavam lendo depoimentos no andar de cima (os coronéis evitavam sujar as mãos), pois veriam que tudo se confirmava, ainda que fossem histórias absurdas. Segundo ele, se houvesse discrepâncias, teriam de chamar os presos que já estavam no Tiradentes, voltar a interrogá-los, até que tudo batesse. Queria economizar trabalho. Não era alemão. Burocracia do sistema. Nos campos de concentração, era a IBM que fazia a gestão da triagem e classificação dos presos, na época com máquinas de cartões perfurados. No documentário A Corporação, a IBM esclarece que apenas prestava assistência técnica.
O mal não está nos torturadores, e sim nos homens de mãos limpas que geram um sistema que permite que homens banais façam coisas como a tortura, numa pirâmide que vai desde o homem que suja as mãos com sangue até um Rumsfeld que dirige uma nota aos exército americano no Iraque, exigindo que os interrogatórios sejamharsher, ou seja, mais violentos. Hannah Arendt não estava desculpando torturadores, estava apontando a dimensão real do problema, muito mais grave.
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Adolf Eichmann em seu julgamento em Jerusalém, (Julho 17, 1961), por Ronald Searle
Adolf Eichmann em seu julgamento em Jerusalém, (Julho 17, 1961), por Ronald Searle
A compreensão da dimensão sistêmica das deformações não tem nada a ver com passar a mão na cabeça dos criminosos que aceitaram fazer ou ordenar monstruosidades. Hannah Arendt aprovou plenamente e declaradamente o posterior enforcamento de Eichmann. Eu estou convencido de que os que ordenaram, organizaram, administraram e praticaram a tortura devem ser julgados e condenados.
O segundo argumento poderoso que surge no filme, vem das reações histéricas de judeus pelo fato de ela não considerar Eichmann um monstro. Aqui, a coisa é tão grave quanto a primeira. Ela estava privando as massas do imenso prazer compensador do ódio acumulado, da imensa catarse de ver o culpado enforcado. As pessoas tinham, e têm hoje, direito a este ódio. Não se trata aqui de deslegitimar a reação ao sofrimento imposto. Mas o fato é que ao tirar do algoz a característica de monstro, Hannah estava-se tirando o gosto do ódio, perturbando a dimensão de equilíbrio e de contrapeso que o ódio representa para quem sofreu. O sentimento é compreensível, mas perigoso. Inclusive, amplamente utilizado na política, com os piores resultados. O ódio, conforme os objetivos, pode representar um campo fértil para quem quer manipulá-lo.
Quando exilado na Argélia, durante a ditadura militar, conheci Ali Zamoum, um dos importantes combatentes pela independência do país. Torturado, condenado à morte pelos franceses, foi salvo pela independência. Amigos da segurança do novo regime localizaram um torturador seu, numa fazendo do interior. Levaram Ali até a fazenda, onde encontrou um idiota banal, apavorado num canto. Que iria ele fazer? Torturar um torturador? Largou ele ali para ser trancado e julgado. Decepção geral. Perguntei um dia ao Ali como enfrentavam os distúrbios mentais das vítimas de tortura. Na opinião dele, os que se equilibravam melhor, eram os que, depois da independência, continuaram a luta, já não contra os franceses mas pela reconstrução do país, pois a continuidade da luta não apagava, mas dava sentido e razão ao que tinham sofrido.
No 1984 do Orwell, os funcionários eram regularmente reunidos para uma sessão de ódio coletivo. Aparecia na tela a figura do homem a odiar, e todos se sentiam fisicamente transportados e transtornados pela figura do Goldstein. Catarse geral. E odiar coletivamente pega. Seremos cegos se não vermos o uso hoje dos mesmos procedimentos, em espetáculos midiáticos.
Hannah Arendt,  filósofa política alemã de origem judaica (1906-1975)
Hannah Arendt, filósofa política alemã de origem judaica (1906-1975)
O texto de Hannah, apontando um mal pior, que são os sistemas que geram atividades monstruosas a partir de homens banais, simplesmente não foi entendido. Que homens cultos e inteligentes não consigam entender o argumento é em si muito significativo, e socialmente poderoso. Como diz Jonathan Haidt, para justificar atitudes irracionais, inventam-se argumentos racionais, ou racionalizadores.1 No caso, Hannah seria contra os judeus, teria traído o seu povo, tinha namorado um professor que se tornou nazista. Os argumentos não faltaram, conquanto o ódio fosse preservado, e com o ódio o sentimento agradável da sua legitimidade.
Este ponto precisa ser reforçado. Em vez de detestar e combater o sistema, o que exige uma compreensão racional, é emocionalmente muito mais satisfatório equilibrar a fragilização emocional que resulta do sofrimento, concentrando toda a carga emocional no ódio personalizado. E nas reações histéricas e na deformação flagrante, por parte de gente inteligente, do que Hannah escreveu, encontramos a busca do equilíbrio emocional. Não mexam no nosso ódio. Os grandes grupos econômicos que abriram caminho para Hitler, como a Krupp, ou empresas que fizeram a automação da gestão dos campos de concentração, como a IBM, agradecem.
O filme é um espelho que nos obriga a ver o presente pelo prisma do passado. Os americanos se sentem plenamente justificados em manter um amplo sistema de tortura – sempre fora do território americano pois geraria certos incômodos jurídicos -, Israel criou através do Mossad o centro mais sofisticado de tortura da atualidade, estão sendo pesquisados instrumentos eletrônicos de tortura que superam em dor infligida tudo o que se inventou até agora, o NSA criou um sistema de penetração em todos os computadores, mensagens pessoais e conteúdo de comunicações telefônicas do planeta. Jovens americanos no Iraque filmaram a tortura que praticavam nos seus celulares em Abu Ghraib, são jovens, moças e rapazes, saudáveis, bem formados nas escolas, que até acham divertido o que fazem. Nas entrevistas posteriores, a bem da verdade, numerosos foram os jovens que denunciaram a barbárie, ou até que se recusaram a praticá-la. Mas foram minoria.2
O terceiro argumento do filme, e central na visão de Hannah, é a desumanização do objeto de violência. Torturar um semelhante choca os valores herdados, ou aprendidos. Portanto, é essencial que não se trate mais de um semelhante, pessoa que pensa, chora, ama, sofre. É um judeu, um comunista, ou ainda, no jargão moderno da polícia, um “elemento”. Na visão da KuKluxKlan, um negro. No plano internacional de hoje, o terrorista. Nos programas de televisão, um marginal. Até nos divertimos, vendo as perseguições. São seres humanos? O essencial, é que deixe de ser um ser humano, um indivíduo, uma pessoa, e se torne uma categoria. Sufocaram 111 presos nas celas? Ora, era preciso restabelecer a ordem.
Um belíssimo documentário, aliás, Repare Bem, que ganhou o prêmio internacional no festival de Gramado, e relata o que viveu Denise Crispim na ditadura, traz com toda força o paralelo entre o passado relatado no Hannah Arendt e o nosso cenário brasileiro. Outras escalas, outras realidades, mas a mesma persistente tragédia da violência e da covardia legalizadas e banalizadas.
Sebastian Haffner, estudante de direito na Alemanha em 1930, escreveu na época um livro – Defying Hitler: a memoir – manuscrito abandonado, resgatado recentemente por seu filho que o publicou com este título.3 O livro mostra como um estudante de família simples vai aderindo ao partido nazista, simplesmente por influência dos amigos, da mídia, do contexto, repetindo com as massas as mensagens. Na resenha do livro que fiz em 2002, escrevi que o que deve assustar no totalitarismo, no fanatismo ideológico, não é o torturador doentio, é como pessoas normais são puxadas para dentro de uma dinâmica social patológica, vendo-a como um caminho normal. Na Alemanha da época, 50% dos médicos aderiram ao partido nazista.
O próximo fanatismo político não usará bigode nem bota, nem gritará Heil como os idiotas dos “skinheads”. Usará terno, gravata e multimídia. E seguramente procurará impor o totalitarismo, mas em nome da democracia, ou até dos direitos humanos.
2 Melhor do que qualquer comentário, é ver o filme O Fantasma de Abu Ghraib, disponível no Youtube em http://www.youtube.com/watch?v=_TpWQj0MjvI&feature=youtube_gdata_player ; ver também a pesquisa da BBChttp://guardian.co.uk/world/2013/mar/06/pentagon-iraq-torure-centres-link ; sobre Guantanamo, ver o artigo do New York Times de 15/04/2013

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

A alma que não me cabe





E tem horas que a alma não cabe dentro da gente.
Não cabe em espessura.
Não cabe em largura.
Também não cabe em doçura ou em amargura.

A alma que nos cabe esquece-se de que precisa caber dentro de um corpo.
Angustiada ela empurra paredes internas.
Sufocada ela nos avisa que o grito entalado precisa sair.
Presa nos diz que é preciso desatar o nó da garganta.
Apertada nos ensina que é precisa aliviar o coração.
Pesada avisa que é preciso jogar fora a bagagem.
Acorrentada nos pede liberdade de correr, saltar, voar.

Ser livre.
Ser maior.
Maior que nós.
Maior do que nossos entrelaçados nós.

Não prisioneira de medos.
Não ajustada ao ir, vir, ficar, permanecer, cumprir.

A alma nos chama a brincar, a nos enlevar.
A preocupação que cabe dentro da gente.
A dor que cabe lá dentro.
Todos os compromissos mentalmente  anotados.
Ela nos avisa que isso a aperta,
Que assim ela sufoca.
Que assim a alma que nos cabe já não cabe
Que liberdade é mais que vontade
É jeito de caber dentro da gente de um modo diferente.

domingo, janeiro 19, 2014

Aquário


A vida é rio, vezes furioso e vezes sereno;
também oceano vasto e misterioso.
Quer viver?
Dispense a oferta existencial dos aquários.


(Ricardo Gondim)

Tempo e aprendizado



O tempo de sofrer é apenas um espaço
onde se aprende a crescer,
a vencer as próprias limitações
e as próprias contingências.

(Autor desconhecido)

quarta-feira, janeiro 01, 2014

No ritmo da Vida



Um ano todo novo começa hoje e de repente temos aquela sensação de que recebemos uma nova chance de reescrever a nossa história, como se mais uma página do livro fosse virada no livro do ciclo da vida. Uma página em branco. E então uma pergunta surge: O que vamos escrever nela?

É provável que ainda estejamos processando as informações do “balanço” do fim de ano, período muito comum para coisas assim. Avaliamos o ano que passou, tantas vezes como num piscar de olhos diante de nós, talvez percebamos que aquela lista de objetivos para o ano não foi concluída (“Mas de que lista ela está falando?! Sequer fiz uma!). Ou nos conscientizamos de que abandonamos alguns objetivos quando os primeiros obstáculos surgiram, ou ainda, tenhamos nos desviado deles por razões diversas. Avaliamo-nos em relação ao que queríamos e ao que nos foi proposto durante o ano, como reagimos e do que tiramos algum proveito diante de tudo o que foi surgindo nos mais de trezentos e sessenta dias que se passaram. Como resultado, podemos encontrar uma série de desculpas para nossa falta de foco, desistência ou insuficiência em realizar tudo o que planejamos no início do ano passado. Podemos também nos dar por satisfeitos com alguns resultados obtidos, ainda que não tenhamos sido os melhores do ano no que nos propusemos a ser ou, por algo que nem saibamos realmente definir, fomos agraciados de tal forma que superamos todas as nossas expectativas. Sinceramente eu não sei em qual dessas três possibilidades você se encaixa. Eu desconfio que faço parte de uma maioria que conseguiu lidar com o ano que passou assim: ganhando e perdendo, conquistando e cedendo, realizando algumas coisas importantes e engavetando outros planos (que no início pareciam também essenciais). O resultado final? Ganhei e perdi e a balança se equilibrou. Estou aprendendo com isso e deixando a gratidão soar mais alta a sua voz, como uma forma de consolo e inspiração para mudar um pouco mais esse ano.

A verdade é que, a menos que algo inesperado aconteça, a vida costuma ter sua cadência, seu ritmo, sua forma de se desenvolver para cada pessoa. Talvez seja algo como uma dança. Mas uma dança particular, feita para cada indivíduo, com música, ritmo e letra que envolva toda a sua cultura, sua experiência e interaja com cada um em movimentos de ações e reações com tudo o que nos envolve. E é justamente por isso, por esse movimento da vida, que eu acredito que Deus existe e age em nós. Sinto-me segura ao observar que tudo o que existe tem seu ritmo, seu ciclo que se desenvolve e se completa, para crer em Deus e em sua Palavra. E já que temos essa sensação de que uma folha do livro foi virada e ela está em branco, esperando-nos para os próximos registros, que tal começarmos o ano um pouco mais próximos do nosso Criador? E não estou falando de frequência nos cultos ou missas, em grupos de oração, grupos de estudo caseiro (sou favorável a todas essas formas de reuniões), tampouco de tudo o que já pensamos conhecer sobre Deus. Falo de permitir que a Luz ilumine o nosso conhecimento. De desafiarmo-nos a experimentar uma vida com Deus totalmente nova nesse ano, a estarmos dispostos a sermos mudados, a ter nossos paradigmas quebrados, a conhecermos profundamente o Evangelho, a permitir que nosso caráter seja moldado pela Palavra, a colocarmos em prática tudo o que nossos lábios professam sobre Cristo.

A versão “A Mensagem” da Bíblia inicia o Evangelho de João introduzindo Jesus de forma brilhante:
“Antes de tudo, havia a Palavra, a Palavra presente em Deus, Deus presente na Palavra. A Palavra era Deus, desde o princípio à disposição de Deus. Tudo foi criado por meio dele; nada – nada mesmo! – veio a existir sem ele. O que veio à existência foi a Vida, e a Vida era a Luz pela qual se devia viver. A Luz da Vida brilhou nas trevas; as trevas nada puderam fazer contra a Luz.” (João 1:1-5).

Não poucas vezes, a Palavra afirma que Jesus é a razão pela qual tudo subsiste. Essa mesma harmonia que houve desde o princípio no relacionamento de Deus consigo e a criação está disponível para nós através do Deus Filho encarnado, Jesus, como nos explicou o apóstolo João: “o Filho é como o Pai, sempre generoso, autêntico do início ao fim.” (v. 14), ele afirmou: “tudo veio por meio de Jesus, o Messias. Ninguém jamais viu Deus, no máximo fora um vislumbre. Foi, então, que essa Expressão única de Deus, que existe no próprio coração do Pai, se revelou, com a clareza do dia.” (v. 18).

Acredito que a “dança” da vida será muito melhor executada por nós se aquele que a fez estiver, efetivamente, dançando conosco. Está na hora de sermos aqueles que fomos chamados para ser, de deixarmos que a Luz brilhe em nós e ilumine nosso conhecimento, gerando mais vida para que tudo isso, de forma harmoniosa, seja transmitido para todas as pessoas que passarão por nós, está na hora de preenchermos as páginas em branco em harmonia com o nosso Deus durante os próximos trezentos e sessenta e cinco dias do novo ano. Se vamos dançar ao ritmo da vida, que seja uma dança harmoniosa e cheia de Luz e Vida. Que seja irresistível para quem ouvir o som e nos ver dançando!

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Um Feliz Ano Novo, cheio de ritmo e Vida para todos nós! 


#2 Andréa Cerqueira
(@acspira)

terça-feira, dezembro 31, 2013

O último dia do ano


Hoje é o último dia do ano. O último dia de uma série de acontecimentos que nos tornaram o que - antes - não eramos.

Sim, nós nos transformamos de acordo com o que vivemos; e a transformação, embora muitas vezes pareça assustadora, nada mais é do que a nossa resposta ao tempo, às fatalidades e a tudo o mais o que nos acontece. Somos uma soma mal feita dos dias que vivemos e dos quais deixamos de viver.
Por mais que isso nos perturbe, o Tempo é uma substância que independe de nós: acontece como deve acontecer, sem a possibilidade das segundas opiniões.

Minha percepção é que a Vida é mais flexível e até mais gentil do que o Tempo. Não raras vezes, a Vida se curva às nossas decisões e comportamentos; o Tempo não. O Tempo não segue regras que não são suas.

Mas o Tempo, hoje, diz que o amanhã será outro; E que também serão outros os dias que virão. Diz que os dias se vestirão de outras cores e o coração de outros sonhos, de outros destinos. Muitos tirarão planos que foram trancados em gavetas; outros desenharam novos caminhos.
O que importa realmente é que as coisas mudarão. Bem, isso se nós também mudarmos, pois o Tempo - quando é dia primeiro - caminha de acordo com os nossos passos.

Feliz 2014, amigos! :)

Beijos, Luciana Leitão.

quarta-feira, dezembro 25, 2013

Jesus, O Deus Menino


                                                                               


 Ed René Kivitz

Todo menino quer ser homem.

Todo homem quer ser rei.
Todo rei quer ser Deus.
Só Deus quis ser menino.

Essas palavras de Leonardo Boff ganharam meu coração nesse Natal. Imediatamente lembrei o que a Bíblia diz sobre Jesus menino. 

. Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz.
[Isaías 9:6]

. O lobo viverá com o cordeiro, o leopardo se deitará com o bode, o bezerro, o leão e o novilho gordo pastarão juntos; e uma criança os guiará.
[Isaías 11.6]

. Mas quando os chefes dos sacerdotes e os mestres da lei viram as coisas maravilhosas que Jesus fazia e as crianças gritando no templo: "Hosana ao Filho de Davi", ficaram indignados, e lhe perguntaram: "Não estás ouvindo o que estas crianças estão dizendo? " Respondeu Jesus: "Sim, vocês nunca leram: ‘dos lábios das crianças e dos recém-nascidos suscitaste louvor’?"
[Mateus 21.15,16, citando o Salmo 8.2]

. Naquele momento os discípulos chegaram a Jesus e perguntaram: "Quem é o maior no Reino dos céus? " Chamando uma criança, colocou-a no meio deles, e disse: "Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos céus. Portanto, quem se faz humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos céus.
[Mateus 18.1-4]

. O povo também estava trazendo criancinhas para que Jesus tocasse nelas. Ao verem isto, os discípulos repreendiam os que as tinham trazido. Mas Jesus chamou a si as crianças e disse: "Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas. Digo-lhes a verdade: Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, nunca entrará nele".
[Lucas 18.15-17]

Ouvi Jesus convidando: “Torne-se menino. Eu fui menino”.

Perguntei: Por que a criança é o paradigma daquele que enxerga, discerne, experimenta e participa do reino de Deus? 

Os estudiosos da Bíblia sugerem duas possibilidades. A primeira é que as crianças representam as virtudes que Deus espera ver nos adultos, como pureza, simplicidade, ingenuidade. Mas não é menos verdadeiro que essas são mais propriamente características que devem ser deixadas para trás do que virtudes que devem ser desenvolvidas. Paulo, apóstolo, diz que “não devemos ser como meninos imaturos” (Efésios 4.11-16), e que a vida adulta exige o desapego das coisas de menino (1Coríntios 13.11). Jesus também ensinou que ingênuos não sobrevivem no meio de lobos, e por isso devemos ser “simples como a pomba e prudentes como a serpente” (Mateus 10.16). Quanto à pureza das crianças, convenhamos, todas elas sabem ser egocêntricas e são naturalmente manipuladoras e agressivas quando se trata de fazer valer suas vontades. Você pode dizer que aprendem com os adultos, mas aprendem rápido, de modo que atribuir grandeza moral às crianças é sim ingenuidade. Virtude exige maturidade, disciplina, esforço, sofrimento – crescemos porque padecemos.

Outra possibilidade de interpretação para o fato de ser a criança o modelo para quem deseja viver no reino de Deus é que ela simboliza os pequeninos. “Deixai vir a mim os pequeninos” significaria “não impeçam que os que sofrem se acheguem a mim”. Jesus ensinou que os que têm fome, sede, estão doentes e injustamente encarcerados são os pequeninos a quem servimos sem saber que agimos em favor do próprio Cristo (Mateus 25.40). Mas também é verdade que Jesus não foi menino no sentido de ser vítima das circunstâncias e das contingências. Jesus padeceu voluntariamente, com lucidez, ciente do propósito de seu sofrimento, que enfrentou com singular coragem e grandeza de espírito. 

O contraste entre homem, rei, Deus e menino perdurou no meu coração e minhas perguntas não foram respondidas pelos estudiosos da Bíblia. Mergulhei no silêncio e esperei que a palavra viva encontrasse o caminho do meu coração e respondesse minhas perguntas: por que devo ser menino? o que significa se fazer menino? de que maneira Deus foi menino?

Duas verdades explodiram dentro de mim. A primeira, a respeito da condição da criança. A segunda, a respeito da qualidade de relação própria da criança. 

Imaginei uma conversa entre as Pessoas da Santíssima Trindade ocorrida na eternidade. Jesus olha para o Pai e diz: “Eu me esvazio, abro mão das minhas prerrogativas divinas, e mergulho na mais vulnerável condição humana. Vou ao ventre de uma mulher. Vou ao colo e ao seio de Maria. Aceito me fazer menino”. 

O ato voluntário de Jesus implica a disposição de colocar-se sob o cuidado alheio. Uma criança, ou recebe cuidado, ou morre. Dos recém nascidos, o ser humano é o que exige maiores e complexos cuidados, e por mais tempo. Ser criança é ser vulnerável. Ser menino é ser dependente do pai, da mãe e tantos outros cuidadores. O ato de Jesus implica dizer ao Pai: “Eu me entrego absolutamente aos teus cuidados. Abandono-me em tuas mãos. Fico à tua disposição. Inteiramente dependente do teu amor. Completamente à mercê do teu caráter justo e bom”. 

Lembrei de quantas vezes ao longo desse ano me percebi como criança encolhida em posição fetal, acolhida na palma da mão de Deus, minha manjedoura. Não me acovardei, não fugi da vida, não abri mão das minhas responsabilidades, não deixei de encarar o ônus que o sagrado direito de viver impõe. Apenas admiti minha finitude, minha impotência, minha incapacidade e meus limites diante das cruéis e sublimes dimensões da existência. As injustiças das sociedades humanas marcadas pela destruição e ganância, e a maravilha do universo em expansão me mostraram meu real tamanho, e me fizeram orar suplicante. O peso da maldade contra mim, a vergonha do mal que me habita, a inconstância dos meus pensamentos e sentimentos, a perplexidade em momentos de confusão e conflitos, a impotência diante dos paradoxos da vida, as demandas dos que me buscam clamando por socorro, me fizeram muitas e muitas vezes correr para as mãos de Deus e me entregar em absoluta dependência, como um menino que se derrama no colo do pai, despido de qualquer vergonha por ser ainda menino.

Sei que sou homem. Sei que sou rei. Sei que o Espírito de Deus habita em mim. Mas sei que sou menino. Não me ofendo quando ouço meu Pai dizer que não sou capaz de sustentar a existência com minhas próprias forças, encarar o mundo com minha própria sabedoria, resolver a vida com minha pretensa onipotência. O estado de criatura, e o sentimento de dependência não me causam revolta. A consciência de ser “homem insuficiente” me coloca de joelhos. Na verdade, me faz correr repetidas vezes para o refúgio seguro dos cuidados do meu Pai Celestial. 

Essas imagens trouxeram para mim a lembrança de que assim Jesus nos ensinou a orar: Abba, Abba Pai. Oração é palavra do afeto. Abba é o balbuciar da criança que ainda não aprendeu a falar. Abba é a expressão da criança que sabe quem é seu pai, mas não sabe nada a respeito dele. Abba é a palavra da intimidade supra racional e anterior a qualquer elaboração de raciocínio e valoração. Abba é o impulso da criança que, diante de tantos braços estendidos e faces convidativas, sabe exatamente o colo ao qual deve se entregar. Esse é o meu pai, aqui estou seguro, aqui é o meu lugar, diz a criança que sabe do seu abba. 

Carrego comigo mais perguntas do que respostas, sou como Riobaldo, “quase de nada não sei, mas desconfio de muita coisa”. Mas nada me impede de crer. Sei dos argumentos contra a fé, enxergo as mazelas da religião, conheço cada canto do labirinto da dúvida. Mas nada disso me impede de crer. Minha relação com o Abba prescinde da lógica, pois repousa no afeto. Há muita que desconheço. Mas sei que tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, espada não me separam do afeto do Abba. Sei que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação é capaz de me separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, meu Senhor.

Ouvi Jesus convidando: “Seja menino. Eu fui menino”. E então compreendi o que ele me dizia: “Entregue-se completamente aos cuidados do Abba, e nunca, nunca, nunca, em tempo algum, e por qualquer razão, duvide enquanto Ele sussurra ao seu ouvido: Você é meu filho amado, em quem eu tenho prazer”. 

Então respondi em oração.

Eis-me aqui, Abba, disposto a crescer e ser homem à imagem de teu filho Jesus.
Eis-me aqui, Abba, disposto a ser rei, para que tua vontade seja feita na terra como no céu.
Eis-me aqui, Abba, ansioso para participar de tua natureza divina.
Mas, verdadeiramente, eis-me aqui, Abba, menino, completamente entregue ao teu cuidado, vivendo no teu amor. 
Eis-me aqui, Abba, o meu coração não é orgulhoso e os meus olhos não são arrogantes. Não me envolvo com coisas grandiosas nem maravilhosas demais para mim. Acalmei e tranqüilizei a minha alma. Sou como menino recém-amamentado por sua mãe. A minha alma é como essa criança. Somente em Ti está a minha esperança, desde agora e para sempre!

sexta-feira, outubro 11, 2013

Inquebráveis

'As palavras não dizem nada. Ou dizem muito mais do que gostariam de dizer', essas foram as palavras que escrevi na minha agenda na última segunda-feira, dia 7.

Acho que foi por essa razão que, ao conhecer o trabalho da fotógrafa norte-americana Grace Brown, dediquei horas a ler os cartazes projeto Unbreakable (Inquebrável, em português), no tumblr. (http://projectunbreakable.tumblr.com/)

A foto acima foi extraída desse projeto e, à primeira vista, poderia muito bem ser usada nas redes sociais como uma jura de amor eterno; afinal, quem não gostaria de ouvir uma declaração 'I´m just trying to show you how much I love you' ('estou apenas tentando te mostrar o quanto eu te amo')?

Essas palavras seriam perfeitas se não fosse o fato de terem sido ditas durante um abuso sexual. Isso mesmo, durante um abuso sexual! O projeto reúne fotos de pessoas que foram abusadas sexualmente segurando cartazes com frases ditas, por seus agressores, durante o ato. 

Nas fotos você encontra palavras de todos os tipos: desde um 'Happy B-day' até um 'Fuck you!'. E o que faz dessas palavras inesquecíveis é o fato delas ainda machucarem. 

[Sim, algumas dores perpetuam-se, e isso é fato.]

Também já ouvi coisas que me quebraram por dentro e que fizeram a minha forma de ver o mundo mudar a partir delas. Todos nós passamos por isso! Algumas nos roubam a alegria da adolescência e da infância e outras, mesmo sem nenhum ato físico, são capazes de nos partir ao meio.

Quer um conselho? 
'Don't let your struggle become your identity' ('não deixe que sua luta se tornar a sua identidade'), leve as a Deus.

Quer um outro conselho?
Não se iluda: mais cedo ou mais tarde a gente quebra. Quebra e tem que se fazer de novo para, só então, nos tornarmos inquebráveis. A solidificação da nossa alma é um processo. 

Confesso que ainda não me colei inteira, guardo tenho algumas dores debaixo da cama e outras na caixa de sapatos que fica em cima do guarda-roupa, mas aos poucos estou mostrando-as a Deus, uma a uma. 

Minha prece é para que Deus nos dê coragem de enfrentarmos tudo aquilo que nos assombra, e a capacidade de olharmos a vida com a coragem suficiente para resgatar a alegria, e a paz.

Abraços,

Lu (a Poulain!)

segunda-feira, julho 15, 2013

Canção das mulheres



Por Lya Luft

Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dói a ideia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.


Lya Fett Luft (1938) é uma romancista, poetisa e tradutora brasileira. É também professora universitária e colunista da revista semanal Veja.

domingo, julho 14, 2013

Envelhecer com sabedoria

Lya Luft

Envelhecer explodindo de vida, alimentando-se do prazer.
Envelhecer com os amigos, com os vizinhos, sem importar-se muito com o dogma e a sombra do preconceito.
Envelhecer na santa paz de Deus, com a genética que Ele nos deu, envelhecer com Fé. 
Fé, paciência divina, que sustenta o espírito e faz da alma um menino travesso, sapeca e feliz...
Fé de um Guerreiro e de um aprendiz.
Envelhecer com a saliva e o paladar presentes na boca, com as lágrimas banhando os olhos, com a pele bronzeada pelo sol e  pela lua, envelhecer com um sorriso largo no rosto afável, envelhecer como o bem que se quis, enxergando-se à frente do nariz.
Envelhecer não é tão doloroso assim.
Para alguns é o fim do mundo, e eu me pergunto:
- O mundo tem fim?
Envelhecer é ganhar do tempo o tempo exato e lapidado para saber aproveitar, compartilhar, multiplicar todas as belezas e obras do sol nascente.
Por que a sua idade mente?
Envelhecer é fazer da abobrinha o prato do dia e do açúcar a festa de domingo.
Envelhecer é comer pela manhã, exercitar o corpo à tarde e relaxar ao anoitecer.
É ir a praia, ao mercadinho, é ver novela, é ir ao cinema, ao shopping, é estar perto do que temos direito, é ser livre, é valorizar a pátria das células, o sangue que transita nas veias, e controlar a oxidação dos tecidos.
Envelhecer é trazer no peito a medalha dos filhos, dos netos, dos bisnetos...
É ver a cegonha várias vezes por ano, milhares de vezes sobrevoando o céu.
Envelhecer é dar o colo confortável, o ombro, o abraço, o beijo apaixonado na face de um mimo querido.
Saber envelhecer é qualquer carinho!
O que são as doenças?
Elas dão na gente e não nas pedras, dizia a minha avó.
Nunca escolhe o dia mais certo ou o mais errado para chegar e nem mesmo bate a nossa porta como uma convidada exemplar.
Doença é coisa de velho... você tem certeza do que fala ou pensa???.
Cuidado com a sua crença.
O controle da mente, a vontade de existir, a mão firme mesmo que frágil, um dia menos triste, espanta qualquer vírus, nos livra da maca, do convênio e da emergência.
Envelhecer é estar de bem com as árvores, é ver o pássaro colorido, é respeitar o tempo da felicidade, é gostar-se como se gosta dos amigos.
Envelhecer é cantar, dançar, acreditar na sabedoria.
Envelhecer é algo que me anima, possui ritmo e melodia.
É experimentar prazeres e galgar descobertas.
Ah, este envelhecer transformou-se em arte, Van Gogh, Monet, Sinatra.
Envelhecer é dar bombom aos netos, é brindar a tecnologia.
Meu avô, minha avó... Velhos amados, que eu pude ter.
Estar velho, antigo, idoso seja qual for o nome dado, importa muito pouco o rótulo.
Importa muito mais a garantia de vida.
Os hormônios, a atividade física, são recursos que podemos optar sem desmerecê-los.
O sexo está no desejo e devemos a ele saciar.
Amigos, aproveitem, envelheçamos sem preconceitos, quero vê-los na casa dos 90 com os nossos  20, 30, 40, 50, 60 e etc.
Quero estar onde vocês estiverem, com ou sem rugas, com ou sem cabelos Brancos, mas repletos de paz e alegria!
A vida não se aprende nas cartilhas, ela está em nossas mãos!

Envelhecer exige acima de tudo perseverança e muita paixão.

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Lya Fett Luft (1938) é uma romancista, poetisa e tradutora brasileira. É também professora universitária e colunista da revista semanal Veja.

quinta-feira, julho 11, 2013

O exercício do olhar...



"Criar pequenas frestas no dia-a-dia para a alegria parece-me possível. Há uma palavra de Jesus que pode ajudar: Se teus olhos são bons. Olhos bons, isto é, uma espécie de exercício ao olhar a vida. Olhos graciosos podem fazer muita diferença, mas preferimos olhos críticos."

(Carlos Bregantim)

Há um tempo atrás eu li essa declaração do Bregantim no Facebook e parei um tempo para lhe dar atenção e refletir sobre ela. Dei-lhe razão. Anotei no meu caderno de citações e guardei a nota. Relendo recentemente a frase, aprofundei meus pensamentos sobre ela, buscando analisar de forma prática aquilo que poderia mudar no meu cotidiano para me parecer mais com o Mestre.

Nos anos caminhados da minha jornada até aqui, não sei dizer se sou mais vítima de "olhos críticos" do que executora dos mesmos sobre os outros. Desconfio que, no mínimo, já tenha devolvido sobre eles e sobre a vida a mesma porção de olhares críticos que recebi. Duvido que meu saldo esteja positivo, algo, lá no fundo da minha consciência, me diz que meu saldo nessa balança pode estar negativo. Estou ciente de que em muitos momentos da minha jornada deixei-me contaminar pelos críticos ao meu redor, misturando-me aos que olham tudo com desânimo, pesar e padrões inatingíveis de perfeição. Quero olhos como os de criança novamente.

A questão é bem simples: tem a ver com o exercício de se olhar para a vida. E vida também inclui  o mundo ao nosso redor, principalmente os relacionamentos que construímos.

Posso ter um bom olhar sobre a vida de uma forma geral, mas ser altamente crítica com os outros. Principalmente com os erros, as falhas, as deficiências e as inabilidades deles. E isso faz muita diferença, basta colocarmos Jesus como exemplo que saberemos a real importância de termos olhos bons. Em toda a Palavra, Deus deixa claro que não fizemos nada que pudesse realmente nos justificar perante ele, nada pelo qual pudéssemos ser salvos, mas então ele teve olhos bons a nosso respeito, não olhou para a nossa condição condenatória, mas vislumbrou o futuro redimido de um povo ao qual chamou para si. E foi sob essa promessa que Jesus encarnou, viveu, morreu e ressuscitou. E é por causa disso que, eternamente, Deus pode nos olhar com olhos bons. Um povo redimido pelo sangue do Cordeiro que foi derramado na cruz do Calvário.


Deus nos olha com olhos de amor. Não porque somos bons, mas porque ele é bom. Não porque fizemos qualquer coisa para merecer esse olhar bondoso sobre nós, mas porque ele é fiel para com sua Palavra. Amamos porque ele nos amou primeiro. Deus nos olha com graça.

E é nessa consciência que devemos exercitar o nosso olhar sobre a vida e sobre os outros, permitindo que frestas sejam criadas nas rotinas corriqueiras para que a alegria e a vida estejam presentes. Os frutos desse exercício do olhar sobre a vida e sobre os outros talvez não sejam mensuráveis, mas estou segura que alguns deles não faltarão: generosidade, compaixão, paciência, fraternidade, gratidão. E se nossos dias começarem repletos desses sentimentos, quanto mais brilho gracioso terão nossos olhos!


Exercitando um olhar mais gracioso sobre a vida e os outros,

#2 Andréa Cerqueira
(@acspira)



quarta-feira, junho 19, 2013

Proteste!

Foto vista em Melhor que Bacon


Sim, vou falar sobre as ondas de protesto que estão invadindo muitas cidades do Brasil e mobilizando multidões compostas, em sua maioria, por jovens. Vou me posicionar como pastor e, como você pode imaginar pelo próprio título do texto, defender os protestos e incentivar você a participar deles. Gostaria, para isso, de fazer algumas considerações.

1 - A Igreja Protestante tem no seu DNA o protesto contra a injustiça, o erro, a opressão e a corrupção. Sei que isso foi muitas vezes negado e rejeitado (pela própria igreja) como um ser que tenta lutar contra si mesmo e suas características, o que pode ser possível por um tempo, mas não é possível para sempre (esse gigante também pode acordar). Se você é protestante então é filho de uma tradição de homens que se levantaram contra o status quo, muitos deles pagando com a vida por isto.

2 - Não nego que há excessos de todos os lados, mas o fato de haver excessos não pode tirar do movimento a sua legitimidade. Há excessos cometidos em praticamente todas as igrejas e nem por isso somos incentivados a não fazer parte de uma comunidade. O que precisamos é de uma postura cristã mesmo em meio ao erro. Assim, o protesto não é o erro, o que me permite como cristão participar dele.

3 - O Mestre da Igreja, Jesus Cristo, quando necessário, demonstrou a sua ira e indignação no caso conhecido dos vendilhões do templo. Muitos argumentam que a sua ira não era ligada a um movimento político, mas religioso, o que não é verdade, pois na época de Jesus a religião e a política estavam intimamente ligados. Ao protestar contra um sistema religioso corrupto e corruptor ele também estava protestando contra uma política que fazia a mesma coisa.

4 - A Bíblia não demoniza aqueles que protestam, pelo contrário! Há muitas recomendações bíblicas para que levantemos a voz contra a opressão e em favor dos oprimidos. A agenda do Reino de Deus contempla, ou deveria contemplar, a luta contra aqueles que oprimem. A igreja deveria ser a voz dos que não tem como falar e os braços de quem não tem como lutar.

5 - Essa é uma chance da igreja, enfim, deixar de ser um espaço alienante, de fuga da realidade da vida, para um organismo vivo que sente a dor do próximo, solidariza com ele e levanta a voz como um ato de amor. A defesa da não participação com o argumento de que não somos cidadãos do mundo, mas dos céus, é fruto de uma eclesiologia completamente antibíblica.

6 - Quando nossos filhos olharem para o passado e nos perguntarem, poderemos afirmar que fizemos alguma coisa além de ver tudo pela TV. Quando perguntarem onde estava a igreja poderemos mostrar as nossas fotos, contar os fatos e dizer que a igreja, enfim, estava lá!


Marquito - @marquito_pira
Pastor da Comunidade Cristã Ajuntamento e você pode ler mais textos dele no site: www.ajuntamento.com.br

sábado, junho 15, 2013

Problemas - Citações

Para quê preocuparmo-nos com a morte? A vida tem tantos problemas que temos de resolver primeiro.
Confúcio

sexta-feira, junho 14, 2013

A pipoca



 (Rubem Alves)


A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas.

Por isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico-me a algo que poderia ter o nome de "culinária literária". Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da cozinha: cebolas, ora-pro-nobis, picadinho de carne com tomate feijão e arroz, bacalhoada, suflês, sopas, churrascos.

Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro poético-filosófico a uma meditação sobre o filme A Festa de Babette que é uma celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e teólogo — porque a culinária estimula todas essas funções do pensamento.

As comidas, para mim, são entidades oníricas.

Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu.

A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.

A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem.

Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.

Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé...

A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido.

Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.

Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.

Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!

E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.

Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.

Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.

"Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.

Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar.

Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem.

Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.

Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.

Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á".A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.

Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...

"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".


O texto acima foi extraído do jornal "Correio Popular", de Campinas (SP), lido em Releituras